OPINIÃO

O futebol-arte

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

O Grêmio está praticando algo muito diferente do que é conhecido pela minha geração como futebol. Falam por aí que Luxemburgo é afeito ao futebol-arte. Não sei do que se trata. Se não é arte, não é futebol. Quando criança, jogávamos por prazer, pela plasticidade. Era simples: o melhor de nós era venerado e o pior, geralmente gordo e dono da bola ia para o gol. A gente gostava era das jogadas e do deboche infantil. Quando acabou a inocência a gente descobriu o futebol de competição, do qual Dunga e Felipão são os mais famosos representantes. Para estes, futebol é resultado, taça no armário, faixa no peito e grana para todos. Esse é o mundo mercantil. Dizem que a seleção de 82 foi a melhor.

Bobagem, diz Dunga, melhor foi a da Itália porque foi quem levou o caneco. Felipão, do Grêmio e da seleção, jogava com o regulamento embaixo do braço. O futebol pode ser o gol. Romário, Damião, Dodô (lembram ?), Baltazar ou Dadá Maravilha. Não existe futebol sem gol. O negócio é meter prá dentro, nem que seja de canela. Um dia um repórter brincou com Dadá ao se referir a uma jogada em que ele tentou dominar a bola e ela escorregou. Dadá, candidamente, disse ao entrevistador: Dadá não sabe jogar futebol, Dadá só sabe fazer gols. O futebol pode ser apenas a alegria do drible. Assim dizia o franzino jogador Dener, que passou pela Portuguesa, Vasco, Grêmio e Seleção e que morreu prematuramente em 1994 num acidente de trânsito. Ele dizia: gosto do “dible”. Nós, também.

Futebol pode ser a jogada compartilhada. Esse é o mundo de Valdo, Tadeu Ricci, de Ronaldinho, de Claudio Freitas. Esse cara, Claudio Freitas somente não está milionário porque sua cabeça sempre esteve no futebol do passado, onde jogar era para depois do expediente, para brincadeira. Era para se divertir e não para ganhar dinheiro. Penso que a vida possa ser analisada sobre as variantes do futebol. Há os que a entendem pela busca do resultado final, que é o que interessa. Conseguiste enriquecer? É o que vale, não importa se foi dando bico para fora, fazendo cera e, afinal, o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo, cerrrto? Há os que entendem a vida pela obstinada busca do gol, a vida é gol. Vou subir na vida e ser grande, esse é o gol, não importa se será de canela, de bunda, gol de impedimento ou com a mão porque isso pode ser a mão de Deus. Pode ser também o drible, o momento solo, a eterna busca dos quinze minutos de fama, o pulo do gato, o momento mágico. Fazer o drible e depois morrer, a grande sacada.

Pode ser, enfim, a construção da jogada, a permissão do brilho de mais de um, não o momento individualista, momento compartilhado, elegantemente treinado a la Ademir da Guia e Dirceu Lopes. Não, não sou saudosista. É que eu estava tentando entender o que é que o meu time está praticando enquanto examino a minha declaração de imposto de renda. É que com cinco por cento da grana de um reserva da dupla grenal, que joga algo que não se parece com futebol, meus problemas estariam resolvidos. E acho que minha vida é parecida com a construção das jogadas onde há muitos atores coordenados e preocupados com a harmonia da dinâmica, algo para ser mostrado e reproduzido e guardado com carinho para nossos filhos e netos.

Gostou? Compartilhe