OPINIÃO

Rádio

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Em 1976 comprei meu primeiro radinho a pilhas. Era vermelho (não tinha azul) e foi adquirido numa filial da Grazziotin, onde havia sido o saudoso Cine Imperial. Sou dos tempos do rádio porque assim eram meus pais. Desde o Direito de Nascer, do Sheik de Agadir, de Antônio Maria – radionovelas que ouvia junto a Dona Neca, quanto às guarânias, tangos e boleros melodiosos que meu pai sintonizava à noite, nas rádios de Buenos Aires. Depois, vieram a Rádio Guaíba, no futebol e Farroupilha, no Grande Rodeio Coringa. Quando mudei para Passo Fundo em 1970, Maurício Sirotsky não morava mais aqui. Mas, havia Meirelles e os irmãos Freitag, da Rádio Passo Fundo, que tinha também Valadares e Argeu Santarém. Fiquei impressionado com o poder de comunicação destes radialistas. Um dia percebi José Ernani, Guaracy Teixeira, Walter Filho numa Planalto AM que parecia FM. Para os populares e apaixonados da vila, como eu, tinha Dino Rosa na Municipal que também contava com Jarbas, Duarzan e Rafi Dadia. Meus sonhos viajavam quase sempre para São Paulo, para a Bandeirantes, no horário das 12 às 14 horas para ouvir o maior de todos, Hélio Ribeiro. Bebendo de seu Poder da Mensagem sedimentava a idéia de que o mundo poderia e deveria ser melhor porque dependia só da gente.

Outras vezes, na madrugada, na Super Rádio Tupi, sentia-me boêmio ao ouvir Luciano Alves e seu programa que lançava músicas que só tocariam aqui na terrinha em quatro meses. A TV não conseguiu superar o rádio e este nunca vai morrer porque arrebata. Sempre tive a noção clara da importância do comunicador em frente à latinha. Voz firme, pausada – voz forte, grossa ou estridente – voz melodiosa e suave. Vozes do encanto, do sonho, da realidade, da denúncia, da convocação, da fofoca, da sociedade. Qual seria o rosto, a face dona daquela voz? A objetividade de Sérgio Jockyman, o destempero de José Antônio Daudt, a ironia de Lauro Quadros, a técnica do professor Rui Carlos Ostermann – puxa, quanta coisa. Mais tarde, o Brasil Grande do Sul, de Jayme Caetano Braun. Meu radinho, inseparável em duzentos mil jogos de Grêmio, Gaúcho e Passo Fundo. 
Um dia, em 1981, conheci um monstro do Rádio.

Atravessando a Sete de Setembro, de calça branca e uma bolsa preta, meu velho amigo Turiaçu Ferreira apontou – aquele ali é o Júlio Rosa. Era o Júlio, da Uirapuru, da Rádio do Povo, era o radialista e ex-policial que denunciava, era o que transformava uma pautinha em algo muito maior, era a voz do desassistido, era o poderoso comunicador que Porto Alegre remetera a nós. Depois, vereador e que a ironia do destino não permitiu mais um reconhecimento à luta pelas coisas públicas. Morreu exatamente no dia em que receberia homenagem na Câmara de Vereadores. Um dia, em 2003 o destino nos aproximou. Foram muitas entrevistas sobre urgências-emergências médicas, sobre atendimento pré-hospitalar.

Criamos um programa na Rádio Planalto chamado “Enquanto o Médico Não Vem”, em que tratávamos de cuidados iniciais até o socorro definitivo. Foram em duas sextas-feiras que, no seu programa, informei sobre as mortes de meus pais. Em desabafos confidenciais percebia a frustração do velho jornalista e policial ao não poder relatar publicamente o que sabia sobre os ilícitos e o lado podre da nossa sociedade. Eu dizia para ele deixar escrito. Ele respondia: seria morto ou respingaria na minha família. Há uns dias, vi o velho comunicador deitado num leito da emergência do São Vicente. Percebi o desiderato, o mecanismo da despedida. Tentei contato, ele estava sonolento, não respondeu. Não pude e não quis me despedir. Amigos não se despedem, mesmo porque não há razão para despedidas já que a gente sabe, não é Júlio Rosa, que a gente se encontra logo ali adiante. Bom descanso.

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