Em 28 de janeiro de 1808, quatro dias após a família real portuguesa desembarcar em Salvador, o príncipe regente dom João de Bragança assinou uma carta régia que abria os portos brasileiros para o mundo. Até então, mercadorias recebidas e enviadas pelo Brasil tinham de passar por Portugal. Foi uma medida que revolucionou o comércio exterior brasileiro.
Não foi por acaso que a presidente Dilma Rousseff disse que estava dando continuidade à abertura promovida por dom João VI durante o anúncio, em dezembro, da Medida Provisória no 595, que muda a regulamentação do setor portuário brasileiro.
A chamada MP dos Portos, aprovada após uma longa discussão na Câmara dos Deputados, deverá provocar uma nova revolução no segmento porque permite que a iniciativa privada opere portos que possam competir com os públicos e estabelece novas regras para as concessões dos portos públicos — em vez de entregar um terminal à empresa que pagar mais, o vencedor do leilão será o que oferecer a menor tarifa combinada com o melhor serviço.
“Ampliar a concorrência foi a forma que o governo encontrou para induzir investimentos e, com isso, aumentar a capacidade e a eficiência dos portos com custos menores”, diz Luiz Vieira, vice-presidente da consultoria Booz&Company, que realizou um estudo sobre o setor.
De acordo com o Professor Paulo Resende Coordenador do Núcleo de Infraestrutura Logística da Fundação Dom Cabral, a operação portuária no Brasil está muito distante das referências mundiais de eficiência e produtividade. Para atingir um padrão mais elevado é necessário que o País estimule a concorrência que levará a melhores níveis de serviços e até tarifas mais justas. A MP dos Portos tem tudo para reduzir a ineficiência da logística portuária, principalmente pela expectativa de maior participação da iniciativa privada nas operações. O histórico domínio público da gestão dos portos tem sido prejudicial e, agora, é necessário acelerar os investimentos e garantir que os contratos sejam respeitados, tendo como fim uma inversão de valores, em que o interesse político dá lugar à excelência operacional.
O elemento fundamental é a quebra da dependência das empresas que operam no Brasil dos portos públicos. Portanto, aumentar a oferta nos terminais privados é estimular a concorrência. A competição entre terminais, sob a égide de marcos regulatórios firmes e burocracia reduzida, deixa o jogo com regras iguais para todos e aumenta a oferta de serviços portuários, com expectativas reais de melhor acomodação da demanda. Nesse caso, ao se abrirem as possibilidades de operação de cargas próprias e de terceiros, os resultados podem ser a redução das tarifas e o aumento da qualidade dos serviços. Esse caminho tem como linha de chegada as tarifas competitivas em ambiente de alto nível de serviço.
Os terminais privados hoje trabalham com capacidade ociosa em alguns meses do ano. Os terminais públicos trabalham além da capacidade em todo o ano, justamente pela histórica falta de investimentos, pelo excesso de burocracia e ineficiências gerenciais. É de se supor, portanto, que ocorrerá uma demanda maior nos terminais privados, o que poderá gerar um ciclo de investimentos para aumento de capacidade. A MP dos Portos pode ser o início de uma era de desconcentração portuária. Pode-se formar uma rede de portos interconectados e, ao mesmo tempo, concorrentes entre si, o que significa um maior aproveitamento do potencial brasileiro nessa área e uma formação de corredores logísticos globais a partir do interior do País.
Num ranking com 144 países feito pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 135ª posição no item qualidade dos portos. Por que estamos tão mal? Em resumo: nossos portos são mais caros e mais ineficientes do que os de países desenvolvidos e emergentes.
O fato é que ao atropelar alguns aliados e a oposição no Congresso Nacional o Governo demonstra querer destravar a economia e resolver a falta de logística aqui no Brasil. Fica provado que independente de ser esquerda ou de direita, a competição é o melhor remédio para a economia.
Fonte: Revista Exame e Estadão.