A minha gente, minha classe social, irmãos, primos e amigos da minha infância pobre mas, intensamente feliz da bucólica Cruz Alta, nunca foi permitido sonhar com presentes a não ser nas datas magnas de aniversário e natal. Páscoa não vale porque não eram presentes, eram doces e chocolates, eram ovos e cestinhas e os amendoins que colocávamos dentro das casacas de ovos cuidadosamente pintados e decorados com a inequívoca ajuda das professoras. Disseram, certa feita, que se colocássemos um pingo de tinta num guardanapo e enrolássemos o que desse e colocássemos sob o travesseiro, no amanhecer do domingo de páscoa estaria revelado, no desenho configurado, o futuro imediato.
Na minha única experiência, desenhou-se algo muito parecido com um retângulo sobre um tripé. Meses após, meu pai comprou nossa primeira TV. Em 1968, quando iniciei a catequese ganhei uma flamante caneta Parker tinteiro. Carregava cartuchos ou era recarregada pela tinta que vinha em um recipiente de vidro. Meu pai tinha uma linda caligrafia e eu tentava sem sucesso copiar sua simetria. Outro presente valioso e fora de época que me foi permitido ganhar foi no verão de 1971. Nessa época João Só cantava o dia inteiro nas nossas rádio e vidas com a balada Menina da Ladeira e o rei Roberto desfilava À Janela (em que falava de coisas da vida e choque de opiniões) e Rotina, um de seus melhores hits. Ao chegar de viagem de pequenas férias na casa de minha avó materna, dona Adelaide, eu que já morava em Passo Fundo, percebi movimentos estranhos de meus pais. Mandaram que eu procurasse alguma coisa num guarda-roupa e retornei com um pequeno pacote de presente. Meu pai mandou que abrisse e sem entender a extensão do ato, fi-lo (como diria Jânio Quadros). Era um relógio Technos. Entreguei-o a meu pai que me devolveu dizendo: é teu.
Abalado pelo inusitado, caminhei rapidamente ao meu quarto e fui chorar atrás da porta. Hoje, lembro de meus velhos e choro escondido de meus filhos, meio atrás da porta, meio atrás de qualquer coisa, furtivamente porque um homem de verdade não deveria chorar nas desgraças, somente quando ganha presentes inesperados.
Estava falando ontem com minha Georgia sobre as coisas da vida. Ela é adolescente e precisa, como todos os filhos, saber das pequenas-grandes histórias de seus pais. Falei que a gente pode ser um grande sucesso comercial-financeiro mas, se não for um grande sucesso como pessoa há pouco para se contar porque as epopeias pessoais vêm com lutas hercúleas e sobrevivências às tentações aos descaminhos. Somente balizamentos consistentes captados pela ricas pequenas ou grandes histórias vividas pelas excelências dos companheiros de estrada que o Criador gentilmente dispôs a nós, referendam-nos a seguir a trilha mais afeita à condição de sermos distinguidos pelo adjetivo “gente”.
Então, pensei nisso tudo e fascinado entrei na loja aqui em Rivera e, em homenagem aos velhos tempos, dei-me um presente, uma caneta Parker tinteiro. Obrigado, meu pai e mãe.