Minhas primaveras da infância foram marcadas pelas exacerbações de minha rinite alérgica. Depois, aos quatorze anos, percebi a primavera de Cassiano, na voz de Tim Maia (quando o inverno chegar... eu quero estar junto a ti). Eram floridas e românticas, bem ao jeito doce e levemente nostálgico de minha mãe. Houve no mundo outras primaveras, como a Primavera Silenciosa (Rachel Carson -1962), livro que fez alerta sobre os efeitos tóxicos dos produtos químicos sobre o ambiente e seus consequentes impactos na saúde humana. Na época, os pesticidas eram compostos de carbono, indispensável para a construção da vida e eles podem se instalar dentro dos organismos vivos e viajar da lavoura para os corpos da mãe ou prole.
Na primavera de Rachel Carson milhares de pássaros foram mortos por causa destes pesticidas ricos em toxinas e houve, então, uma primavera silenciosa porque as manhãs que pulsavam com os coros de pombos, gaios, curruíras e outros pássaros ficaram mudas. Houve outra primavera em Paris, em maio de 1968, quando rugiu a mais violenta guerrilha urbana do século passado. Em março de 1968 aconteceu na Universidade de Nanterre um conflito banal, a proibição aos moços universitários de visitarem os dormitórios das moças. Daniel Cohn-Bendit (Dani, lerouge) e mais 142 colegas invadiu a secretaria da escola e o reitor chamou a polícia que cercou a universidade e começou o quebra-pau entre simpatizantes e não-simpatizantes.
A polícia mobilizou 70 mil homens e mil e 1.700 da polícia de choque e Paris ficou em chamas nas noites de 10 e 24 de maio. Neste mesmo mês estava acontecendo em Paris a Conferência de Paz entre americanos e vietnamitas com a cobertura de 1.500 correspondentes estrangeiros e que venderam a imagem de que os protestos estudantis tinham razões maiores do que as descargas hormonais dos bérberes estudantes. O movimento aumentou com o apoio dos operários aos estudantes, que só queriam pegar as gatinhas e houve paralisação de 9 milhões de trabalhadores. Resultado final: o presidente De Gaulle contornou a situação, e manteve o status quo. Foi muito barulho por nada e Dani, lerouge (o vermelho) se transformou num pequeno burguês.
Quiseram chamar esse movimento de protestos durante a Copa das Confederações, aqui no Brasil, em um nova “primavera”. Uns nem sabem contra o que exatamente protestam, outros tentam usar politicamente. “Vamuinvandi... vamuqueimá... contra a repreção (sim, com c cedrilha, como diria Luís Inácio). A verdade é que o gigante acordou, pelas falhas daqueles a que outorgamos a missão de fazer um país melhor. Os políticos parecem não ter projetos sociais a não ser em benefício próprio. Tentamos mentir aos estrangeiros um país pujante e não temos escolas, aeroportos, segurança e hospitais decentes. O povo cansou dos velhos políticos em novos partidos que são iguais em seus desprojetos. Espero que essa fulguração dos protestos, essa festa de democracia que terminará, porque as festas não são eternas, não nos carregue a ser como Dani, o vermelho, um burguês acomodado que fez muito barulho por nada e, no fim, tudo ficou igual.