Multidão que crê

Unidos à multidão, jovens de Passo Fundo encerraram o primeiro dia da Jornada Mundial da Juventude nas ruas do Rio de Janeiro

Por
· 5 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

A Jornada Mundial da Juventude finalmente começou. Depois de uma preparação que iniciou no ano passado, os jovens do Brasil e do mundo encontraram-se nas ruas do Rio de Janeiro e vivenciaram, juntos, os primeiros momentos do evento que promete reunir três milhões de pessoas. Na terça-feira, a missa de abertura reuniu 500 mil pessoas e na quarta-feira os colégios e paróquias da cidade abriram as portas para a primeira catequese da JMJ. O dia, hoje, é de expectativa: o Papa Francisco se unirá à multidão de jovens e será acolhido por eles.

Ansiedade, tensão e olhos abertos
O Rio de Janeiro está repleto, agora, de enormes filas de jovens de mãos dadas que seguem bandeiras. Não há qualquer lugar onde não hajam pessoas que esperam em filas ou, ainda, que se dirijam para o Centro em busca do evento. O primeiro grupo de Passo Fundo, hospedado na Comunidade Vila Aliança, demora cerca de duas horas para chegar até Copacabana, onde ocorre grande parte dos Atos Centrais e é preciso utilizar ônibus, trem e andar um pedaço do caminho. As ruas não são mais as mesmas: cantos invadem a madrugada e não incomodam quem acolhe os peregrinos; bandeiras e mochilas identificam quem busca, no Rio de Janeiro, uma forma de compreender a própria fé.

A multidão de peregrinos enfrenta um Rio de Janeiro que está repleto de tensão: de todos os lados, voluntários esforçam-se para se fazer entender e acompanhar os grupos peregrinos. Os transportes utilizados, trem e ônibus, não esperam e exigem atenção dobrada para quem não é daqui. As delegações unem as mãos porque não há outra forma de passar pelos aglomerados que - não só na JMJ, mas no dia-a-dia carioca - preenchem as ruas. Qualquer piscar de olhos é capaz de separar o grupo.

Linguagem universal
Não há um ponto de encontro, eles estão em todo o lugar. Peregrinos invadiram as ruas e encontram-se, a todo momento, com outras delegações. Na falta de um vocabulário em comum, o grito e as mãos para o alto indicam a alegria de compartilhar dos mesmos momentos. Há quem tente arranhar algumas perguntas.

O grupo de Passo Fundo, por exemplo, conseguiu sair de Copacabana, na terça-feira, à 1h da manhã. Junto com ele, no metrô, delegação alemã, chilena, argentina e de outros estados do Brasil. Os alemãs ensaiaram as primeiras canções; uma melodia conhecida bastou: Como numa espécie de Pentecostes brasileiros, chilenos e argentinos cantaram, juntos, cada um em sua própria língua. Palmas, sorrisos e a alegria de ter enfrentado o primeiro dia da JMJ. Sim, todos estavam cansados, mas, ainda assim, decidiram peregrinar e é assim que seguem: há filas, há espera, há impaciência e há dificuldade na linguagem, mas, ainda assim, os peregrinos continuam caminhando buscando experiências.

Catequese

O ginásio de uma escola; balões, fitas coloridas e um show. O cenário poderia fazer parte de qualquer realidade da juventude brasileira se não fosse pelo tema das músicas. “Caminharei, não me cansarei. Rumo ao rei dos reis, Ele é a minha força”. Peregrinos brasileiros uniam voz e mãos na música e nas palmas e iniciaram, dessa forma, a quarta-feira. 

Depois do show, peregrinos ouviram as palavras de D. Flávio Giovanelli, Bispo de Santarém, no Pará. Bahia, Pará, Maranhão, Rio Grande do Sul, São Paulo e Piauí escutaram o Bispo dizer que a juventude é responsável pela realidade eclesial. Concordando com as palavras do Papa, D. Altieri enfatizou, ainda mais, que Jesus Cristo e a Igreja botam fé na jovem. “É preciso que o jovem tenha esperança de seguir em frente e que, de fato, caminhe”, comentou o Bispo.

Depois de ouvir D. Flávio, o grupo de mil pessoas ouviu o testemunho de jovens da Comunidade Vila Aliança e puderam conhecer realidades diferentes das suas. Segundo os voluntários, essa é a intenção da catequese: “Jovens da comunidade que colocam a sua experiência de Igreja de formas diferentes e modos diferentes de conhecer Jesus”, comentou Edilson Adad, um dos voluntários responsável pela organização do tempo é a possibilidade de unir a fé. “O que a gente vê hoje entre jovens é que cada um faz algo no seu movimento, mas não conseguem se reunir pra rezar juntos. A Jornada é isso”, completa. Depois, o grupo participou da celebração eucarística presidida pelo Bispo de Santarém.


Diário de Peregrino
Depois de peregrinar pelos primeiros dias da Jornada Mundial da Juventude, me sinto, sim, mais perto de uma Igreja que procura abrir espaços para uma juventude cada vez mais questionadora. Em cada encontro, nas ruas, os jovens são capazes de esquecer preconceitos, medos e anseios e concentram-se, cada vez mais, na acolhida, no encontro e no acolhimento. Sim, os jovens do Brasil e do mundo são capazes de aceitar desafios propostos e, ainda, com um sorriso no rosto. 

O Rio de Janeiro não é tão lindo quanto pensamos e a Jornada Mundial da Juventude não está tão organizada quanto aparenta. Na terça-feira, na retirada dos kits, delegações com centenas de jovens inscreviam-se na hora da chegada; desespero de voluntários e organização que não sabia mais onde hospedar tantos jovens que chegaram de última hora. Coordenadores dos grupos enfrentaram filas de mais de quatro horas para poder retirar o Kit Peregrino - com a credencial dos jovens, cartão de alimentação e transporte. Sim, eventos grandes como a Jornada Mundial da Juventude, a própria Copa e Olímpiada exigem capacidade de improvisação e paciência por parte de participantes, mas exige, ainda mais, preparo e organização de quem os realiza. Ainda no primeiro dia, peregrinos e voluntários esforçavam-se, juntos, para encontrar o melhor caminho para as atividades: ora o ônibus estava lotado e era preciso optar pelo metrô, ora o metrô não funcionava por falta de energia. O nosso grupo, hospedado em Bangu, na Comunidade Vila Aliança, chegou nas hospedagens as 3h da manhã.

A Missa de Abertura acabou por volta das 20h e, abaixo de chuva e frio, as 500 mil pessoas receberam a bênção de D. Orani e comungaram sem nem mesmo entender ou ver o que estava acontecendo ou, ainda, participando de um verdadeiro comércio de fé onde ambulantes esforçavam-se em gritar os preços de correntes, crucifixos, bandeiras e capas de chuva.

Quanto aos perigos do Rio de Janeiro, as ruas não os escondem: sim, há peregrinos hospedados em favelas e em comunidades não pacificadas - especialmente brasileiros e argentinos. No ônibus, enquanto nos dirigíamos para Copacabana, uma carioca via os gaúchos tirarem fotos dos prédios e, por vezes, ensaiar aproximar a câmera da janela. “Cuidado! Eles passam correndo e roubam.” Assim mesmo, na avenida, numa corrida de ônibus? Sim, assim mesmo.
A acolhida, no entanto, rejeita qualquer possibilidade ou pensamento de medo pela violência. As famílias se tornaram os verdadeiros lares dos peregrinos. Henrique, que hospedou as treze meninas do grupo, acordou as 3h da manhã e, sim, caminhou até a parada do trem para nos esperar. Esses gestos, assim como a convivência das delegações no metrô, fazem a Jornada Mundial da Juventude um verdadeiro encontro com Cristo.

O Brasil se prepara para receber a Copa do Mundo e as Olímpiadas nos próximos anos. E eu acredito que o que estamos vendo na JMJ é a prova de que é preciso fazer mais. Não para simplesmente receber estrangeiros e turistas que irão lotar o país, mas para fornecer, no mínimo, uma cidade organizada e preparada para o convívio social. Parece utopia, surrealismo, sonho, eu sei, mas acredito que antes de tentar parecer um país capaz de abrigar eventos tão grandes é preciso cuidar daqueles que vivem aqui. Ou que tentam viver, debaixo de pontes, entre as calçadas, no meio das ruas. A Jornada Mundial da Juventude é, sim, um momento histórico, porque os peregrinos, em sua humildade e abertura, assim o fazem.

Gostou? Compartilhe