Fui, à convite da professora Taís do Colégio Notre Dame, falar para os jovens estudantes sobre a minha profissão. Confesso que saí do bate-papo com a convicção de que acrescentei mais dúvidas do que convicções. Talvez tenha sido um desalento para os estudantes, talvez tenha sido muito honesto de minha parte ao abordar o cenário atual sem as ilusões costumeiras. O fato é que são jovens sonhadores e seus sonhos são doces, exatamente como foram todos os nossos sonhos na juventude e não sei se tenho o direito de debater sobre sonhos alheios.
Achei importante alentar sobre o roubo que a medicina faz sobre a vida daqueles que a escolheram como profissão, afinal são anos e anos a fio de intermináveis plantões, de madrugadas insones sobre os livros e apostilas, de longos fins-de-semana presos às emergências, sem contar, é claro, com as deliberações sobre a melhor conduta a ser aplicada a cada paciente e sobre a dor das perdas que pertencem não somente aos familiares, mas também aos zelosos médicos, jovens ou calejados. Há, é claro, o lado bom, a satisfação por se sentir útil, por aliviar a dor, por tratar o corpo e alma, por ser depositário de tamanhas e indescritíveis esperanças de cura. Há, evidentemente a projeção sócio-econômica que a profissão ainda proporciona a maioria dos jovens que escolhem essa atividade profissional.
É preciso que se alerte, principalmente às meninas que sonham ser médicas, que essa escolha pode ser madrasta pelo fato de que se somarmos o tempo de formação e a progressão de seus estudos com a possibilidade de residência nas diversas especialidades, a doutora estará pronta para começar sua carreira aos trinta anos. Precisará de três a cinco anos para fincar pé no mercado de trabalho e quando se der conta, está com trinta e cinco e ainda não é mãe, talvez ainda nem tenha encontrado seu companheiro para constituir família.
Estava lendo uma entrevista dada por Flávio Del Mese a Ruy Carlos Ostermann no dia 28 de outubro de 2010, no StudioClio, em Porto Alegre. Del Mese, artista que trabalha com fotografia, tem sólida formação internacional e é um homem acima de seu tempo, além de ser cidadão do mundo e referiu ao professor Ruy que ficou 540 fins-de-semana engajado ao trabalho, 540, vejam só. Fiz minhas contas e meus números são parecidos, quase 600 fins-de-semana em que absurdamente soneguei a minha família a minha presença. Eu soneguei, reconheço. Eu sonego ainda, reconheço. A pergunta é: continuarei sonegando ? Tenho quanto tempo de vida para subtrair minha presença em casa nos fins-de-semana ?
Sonegador confesso, reconhecidamente arrependido, não sei se a professora Taís escolheu o cara certo para dar palpites em sonhos alheios, mas tinha que dizer que medicina não são somente flores. Desculpa aí, pessoal.