Em 1967 o Brasil foi legitimamente contaminado com o hit A Praça, de Carlos Imperial, na linda voz de Ronnie Von. Imperial era o que se chamava de bon-vivant, boa vida, envolvido em artes, teatro, cinema, música, bebidas e mulheres, muitas mulheres. Ele, ao compor A Praça, jogou toda uma geração aquela praça de nossas bucólicas cidades, as praças dos sorveteiros, dos cachorros-quentes, da roda gigante, da primeira namorada e do primeiro beijo.
De todas as praças de minha vida, a Praça Tamandaré é a que guardo no meu coração, lado esquerdo e direito. Ali, sob os carvalhos, cantávamos as músicas de Hyldon e vivemos sonhos, alegrias e decepções. Também, em 1980, quando estava no quarto ano de minha faculdade, ao presenciar pela primeira vez a morte de uma criança no hospital, sentei-me durante três horas, naquela tarde de sol e olhando outras crianças brincarem nos balanços, decidi se deveria permanecer naquela escolha profissional que trazia alegrias e tristezas, muitas vezes, demasiadas e inesquecíveis. Quando preciso fazer a convergência dos mil Jorges que me habitam e deliberar, sento-me no mesmo banco, quase ao lado das mesmas flores e dos mesmos jardins.
Nessa quarta-feira última, senti necessidade de visitá-la novamente , mas dessa vez, na companhia de meus pais, aqueles que nunca foram e nunca irão embora porque o lugar em que habitam não é de se ir embora.
Minha mãe estava fula porque soube que teve gente que vaiou os médicos cubanos e que debocharam da cor de suas peles. Ora, Dona Neca, quem vaiou não eram médicos porque médico de verdade tem respeito pelas pessoas, independente de nacionalidade e cor da pele. É que tem gente que não tendo a dimensão humana para ser médico se esconde atrás do avental e executa atos danosos que não representam a dignidade da categoria. O médico é pessoa, mas antes, a gente era mais gente do que pessoa. Você sabe, mãe, que as pessoas falham, pensam em dinheiro, comercializam. Mas, o médico é o que se preocupa com as pessoas e gentes. Ao meu pai, lembrei de 1963 quando ele fez uma maleta de madeira em que pintou de branco e desenhou uma cruz vermelha. No dia sete de setembro deste ano, aos meus seis anos, desfilei garboso pela primeira vez, na Pinheiro Machado de Cruz Alta.
Meu velho imaginava que eu poderia ser médico e uma pessoa útil e importante à sociedade. Comuniquei a meu pai que seus netos, meus filhos, resolveram não seguir a profissão de médico. Estranhamente estava feliz em comunicar tal decisão. Acontece que a gente perdeu o glamour, qualquer pessoa que pega um microfone desafora a gente. Acho que a gente não merece ser desaforado por qualquer um, já basta os governos. Dizem que nos últimos três anos mais de oitenta médicos na região tiveram seus veículos roubados, famílias ameaçadas, feitos reféns de meliantes e de desqualificados, conscientes da impunidade e tapas na cara, além de chamarem a gente de vagabundos. São os mesmos que chegarão baleados ou esfaqueados nas nossas emergências e sobre os quais usaremos todas as artes para preservar suas vidas transferindo a eles a dignidade sonegada quando estamos sob as miras de suas armas. A gente não é vagabundo, a gente nem quer ser aplaudido, a gente só quer que o governo transfira ao povo e aos profissionais que atendem o grande público, gente pobre e descamisados, parte da imensa gama de impostos cobrados a dedéu de todos nós.
Interessante, não é, as coincidências. Collor tinha um alvo – os marajás; tinha um público – os descamisados; tinha uma bala única para conter a inflação. Dilma tem um alvo – os médicos; tem um público – os descamisados; e diz que tem uma bala única para conter a alta do dólar. Rezemos.