Há tantas coisas a serem tratadas na imprensa que a gente se perde. A espionagem internacional, por exemplo. Alguém duvidava que isso não aconteceria ? Outro assunto é sobre os médicos cubanos e sobre o qual há discussões acaloradas. Melhor confiar no governo que nega categoricamente que parte do financiamento dessa empreitada com o dinheiro da gente é para ajudar o sistema ideológico ultrapassado da ilha-presídio e que também nega que parte do dinheiro que iria voltará para um caixa-dois eleitoreiro. Já que não existe tais possibilidades, ficarei com a opinião de Marcos Piangers: pode ficar tranquilo. Então, melhor falar de futebol.
Meu caro Abílio, me perdoe , por favor se não fui ao teu enterro. É que me passei, achei que seria à tarde. Bem, não importa muito porque conversamos centenas de vezes sobre o esporte, sobre a vida e sobre os bons tempos. Abílio Fuão passou seus últimos cinquenta anos envolvido no futsal e encantou a todos pela serenidade, competência e ética. Abílio, romântico do futebol, entendia o esporte pela mágica e beleza, bem ao contrário de hoje onde essas palavras foram substituídas por maracutaia, negociata ou business. Tudo ao que assistimos e pagamos caro é um grande big brother: juízes comprometidos com equipes e estes com empresas, compra e venda de jogadores - tipo comércio escravocrata, resultados combinados, jogadores simulando lesões para não atuar até que os pagamentos atrasados estejam em dia, comentaristas e repórteres recebendo jabá para promover jogadores.
Ou seja, cara Abílio, tudo é muito diferente daquilo que tu gostavas e difundias. Nos nossos tempos, de jovens sonhadores, as regras de futebol eram poucas, senão vejamos: Primeira - o dono da bola era titular absoluto; Segunda – lugar de gordo era no gol, a não ser que fosse o dono da bola; Terceira - não havia camiseta de times – era os de camisa contra os sem camisas; Quarta - tênis e chuteiras eram só para os abonados ou afrescalhados ; Quinta - o resultado do jogo era o que menos importava; Sexta - não precisávamos de juiz para controlar o jogo porque as faltas que cometíamos eram auto-denunciadas. A gente sempre jogava sob a música do canal 100, de Carlos Niemeyer, pura magia e encanto. Hoje os tempos são outros e o que importa não é a magia e, sim, o dinheiro que virá e, de tudo isso que virou, temos Eurico Miranda, João Havelange e Ricardo Teixeira, entre outros.
Altino Nascimento, um dos grandes do futebol local, segredou-me certa feita que o melhor jogador que tivemos foi Roberto, que fazia meio com Raul e Luís Freire. Abílio, como Altino, tinha orgulho de trabalhar com homens de caráter como Javali, Baio, Paulinho, Gelson, Márcio, Clóvis, Teti, Giba, Maurinho, entre tantos. Seu predileto, no entanto, era Matheo Foresti que, como antigamente, jogava por diletantismo, não fazia isso sua profissão, queria ser médico e o é, com grande competência. Dizia, com orgulho, que esse guri era seleção, esse guri era bom demais para a gente segurar em Passo Fundo.
Sabe, seu Abílio, a maneira com que aprendemos e concebemos o futebol só existe nos sonhos ou na cabecinha de nossas crianças. Os tempos não são mais nossos, companheiro, somos os dinossauros do futebol. Abílio mesmo que não leias gostaria de, por essa singela coluna, te agradecer em nome de todos pelo que fizestes em nome do esporte, por todos os valores transmitidos em meio século, por todos os atos de dignidade ofertados assim, tão docemente. Como derradeiro, assim como lembrança pueril dos muitos grandes momentos, assim como há uns dias na lancheria do Hospital São Vicente, gostaria que levasses além da expressão – puta que pariu – em desalento pela tua partida, que levasses dos teus enlutados amigos o seguinte: valeu, meu comandante, os sonhos não envelhecem e as lições nunca serão esquecidas.