Vivemos uma catarse essa semana em razão do voto minerva para mandar ou não para o xilindró os chamados mensaleiros. Aqui, em Belo Horizonte onde estou na Convenção Nacional da Unimed, vi muita gente boa, médicos e não médicos, em profundo desalento com o desfecho do caso. São pessoas honradas que entendem que o lugar de delinquente é na cadeia. Li muito: Carta Capital, Veja, Época, Folha, Isto É. Li dois livros sobre o mensalão e fiquei tentado a me entregar à sanha das ruas e da grande imprensa. Mas, não sei bem porque, seguindo meus instintos, falíveis, ofereço ao meu pequeno número de leitores, o que segue.
Há quase dois mil e quinhentos anos o filósofo Sócrates, setentão e esquisitão, que, descalço, ficava parado no mesmo lugar por horas, que era casado com Xantipa, mulher bem mais jovem e que adorava provocar as pessoas para ver até onde íam suas convicções, foi condenado pela justiça ateniense sob a alegação de perturbar a cabeça dos jovens gregos. Dizia Sócrates que era tempo das pessoas pararem de delegar todos os acontecimentos, fortuitos ou não, aos deuses. Era hora de o homem assumir suas responsabilidades sobre seus destinos. Sócrates humanizou os deuses, fez descer à terra as divindades. E isso traía a moral grega vigente.
Condenado a cometer suicídio, tinha direito a uma ampla defesa mas, resolveu escarniar seus acusadores apresentando como alternativa à execução, algo assim, como chupar um picolé salgado. Seus detratores, ofendidos, mantiveram a pena de morte. Só que, na verdade, ninguém desejava que aquele velhinho simpático e esquisito morresse daquela maneira. Ele bem que poderia ter solicitado um exílio em alguma ilha do Mar Egeu. Permaneceu preso, com a porta da cadeia aberta, para que fugisse, por longos trinta dias. Mas não fugiu, recebeu alunos e admiradores que imploravam pela sua vida. Suportou o clamor popular.
Argumentava a necessidade imperiosa da obediência à justiça de Atenas e que passara a vida defendendo sua aplicação. Disse que aceitava seu julgamento porque era justo. Se não era certo – discussão fundamental sobre justo x certo – era outra coisa porque o que é certo ou não, engloba subjetividades. Disse que um homem que soube como viver deve saber como morrer. No final de trinta dias ingeriu cicuta e morreu.
O ministro Celso de Mello honrou-se a empregar a justiça, a possibilidade da ampla defesa, apesar de nossos berros em relação aos denunciados. Há que se ter certeza absoluta, provas contundentes dos delitos denunciados pelo quarto poder, o da imprensa, para tirar a liberdade de alguém. Choverão pedras sobre esse colunista. Não, absolutamente não defendo meliantes, só não quero morrer com a sensação de que fiz parte do grupo que prendeu e condenou pessoas só porque não compartilha suas posições políticas e sobre as quais não recaíram provas definitivas de sua culpas, a não ser aquilo que foi chamado de domínio do fato, ou seja, provas indiretas ou clamor popular. Todo o clamor popular é perigoso, é preciso isenção para julgar e o ministro a teve.
O clamor popular não é igual a vox populi, vox Dei (a voz do povo é a voz de Deus). A voz do povo é a voz do povo, não a voz de Deus e houve uma época em que a voz do povo clamou para que Pilatos mandasse um inocente para a crucificação.
Não são santos os mensaleiros, ninguém é. Mas, para retirar a liberdade de alguém, confinando por dias ou anos é preciso aplicar a justiça no seu grau mais contundente, o da certeza. É isso que balizou o voto do Ministro Celso e é nisso que meu inconsciente, altamente subjetivo e sujeito às mais duras críticas, necessita conjecturar, ou seja, aplicar a Constituição ou estabelecer a justiça é a maneira mais fidedigna que Celso de Mello poderia fazer para homenagear o velho filósofo. Afinal, ainda há no mundo pessoas que sentem a necessidade de dormir em paz com suas consciências.
BH, 18 de setembro de 2013