OPINIÃO

Pais e Filhos

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Há um livro com este nome que creio ter comprado há uns dez anos na Livraria Catarinense em Floripa. É um desses livros que se lê de uma pegada só. Traz depoimentos de notáveis como Frei Betto, Arnaldo Jabor, Moacyr Scliar, Dias Gomes, Dráuzio Varella, Mário Prata, entre tantos. Betto conta da conivência de seu pai a pequenos desvios de condutas domiciliares, como rabiscar nas paredes e, que por isso, aguentava as procedentes reclamações de sua mãe. Sclyar refere ser seu filho um ardoroso fã de He-Man, do Homem Invisível e outros super-heróis. Refere também um pedido de desculpas por não ser um desses homens Marvel mas, salienta que quando um filho fica doente ou tem fome todo pai se reveste de superpoderes e alça vôos, enfrenta bandidos, destrói paredes. Dráuzio detalha o desdobramento de seu pai ao ter que ser pai-mãe simultaneamente após a viuvez. Fala do homem que aprendeu a cozinhar, a ajeitar o cabelo dos filhos, a passar roupa, além, é claro, de prover o sustento da família. Jabor descreve seu pai como um homem simples e de imensos silêncios.

Jabor lia, nos silêncios, uma falta de aproximação com seu pai, queria que ele falasse da vida e das coisas todas e que, talvez, o amor de filho para o pai não fosse de todo recíproco. Um dia seu idoso pai teve anemia e necessitou de um transfusão de sangue no hospital de sua cidade e lá foram o velho e o filho. Enquanto recebia o sangue ouviram dois estampidos em uma sala ao lado e uma correria acompanhada de gritos. Ao checar o acontecimento jaziam em meio a poças de sangue dois engravatados médicos. Um matara o outro e cometera suicídio por razões passionais segundo foi apurado. Jabor reconheceu o ginecologista de sua mãe. Como é que podia que duas autoridades da cidade, dois cidadãos acima de qualquer suspeita, duas pessoas loquazes e comunicativas e de enorme representação social que pareciam bem diferentes de seu simples pai, terem esses desvios de conduta e infringirem quebras de confiança no lar e em ambiente de trabalho ? Então, retornando à sala de transfusão, Jabor ficou a mirar seu pai, homem simples, roupas simples, porém impoluto, extremamente zeloso e responsável com todas as obrigações de marido e de chefe de família. Nunca mais houve silêncio entre eles, há coisas que não precisam ser ditas, têm que ser demonstradas, um olhar bastava, ali estava o exemplo de atitudes que deveria ter na vida.

No final do livro há um espaço em branco para que a gente escreva a própria história, a aventura de filho e pai, pai e filho. Já contei em minhas crônicas mil histórias envolvendo meus pais. Meu filho Ramon pediu-me certa feita: pai, promete que nunca vai morrer ? Prometi. Fico pensando que meus pais nunca morrerão porque estão imensamente presentes. Sempre que tenho que tomar atitudes importantes saio a caminhar pelo Boqueirão e ouço suas opiniões. Sempre opto pela qual deixaria orgulhosos meus pais. É como se eles dissessem assim: esse é o meu filho. Não existe silêncio que afastem os bons exemplos. Estou permanentemente tentando seguir o caminho das virtudes para que seja eterno para meus filhos e para que eles tenham vontade de conversar comigo no futuro quando, para descansar, habitarei outras paragens.

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