O livro Holocausto Brasileiro de autoria da jornalista mineira Daniela Arbex lançado este ano pela Editora Geração não é apenas um livro, é um soco na nossa cara. Narra com detalhes e extensa fotografia a trajetória de um manicômio fundado em 1903 na cidade de Barbacena, apelidado de Colônia, que recebia deficientes mentais. Mas, não somente estes, como também pessoas que cometiam desvios sociais, os chamados alterados, meninas-mães solteiras, indesejáveis esposas que foram trocadas por amantes, filhas que reclamaram maior participação em heranças em relação aos privilegiados filhos. A primeira atitude tomada pela suposta casa de saúde era a completa despersonalização do paciente, ou seja, retirar as roupas e qualquer pertence que individualizasse alguém, tal como foi feito pelos cruéis nazistas na segunda grande guerra. Após seguia-se a rotina de permanecerem nus durante o dia enquanto suas únicas roupas eram lavadas. No pátio, independente da temperatura ambiente, chegaram a ficar espremidos numa tentativa de auto-aquecimento até cinco mil pacientes, quando a lotação máxima era atingida.
A turma da superfície intercalava periodicamente com a turma do miolo de modo que houvesse algum grau de conforto. Bebiam água dos esgotos, deitavam sobre fezes, comiam ratos, dormiam sobre palhas. As meninas eram seviciadas pelos monitores e quando pariam tinham seus filhos retirados e negociados para adoção. Nos tempos de maior movimento chegava-se a dezoito ao dia o número de óbitos cujos corpos foram negociados com dezessete Faculdades de Medicina do nosso altaneiro país, totalizando mais de mil e oitocentas transações. Muitos corpos ficavam dias ao relento minando o ar com o insuportável cheiro da decomposição. Alguns cadáveres não negociados eram colocados em tinas e tinham suas decomposições aceleradas, aos olhos de todos, com o uso de ácidos.
No distante ano de 1961 a revista O Cruzeiro estampou tamanhas atrocidades em reportagem e fotos do repórter Luiz Alfredo que ilustram o livro e demoramos até 1979 para estancar a barbárie. Foram sistematicamente assassinados sessenta mil pessoas em tempos que não eram de guerra. Foram coniventes os administradores, enfermeiros, médicos, secretários de saúde, governadores e prefeitos. Todos, de alguma maneira, contribuíram para a barbárie denunciada pelo filósofo e humanista francês Michel Foucault e pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia.
Não li o livro de Daniela Arbex de um fôlego só, tive que pausar duas vezes para conter lágrimas de vergonha e de revolta. O inferno não tem endereço, ele é ofertado pelo homem. Nós que nascemos com amplas possibilidades de fazer coisas grandiosas tendemos a curvar para baixo a até rastejar. Há coisas piores que roubar dinheiro do povo e continuar exercendo influência e poder.
Leiam sem chorar, se possível for porque eu não o consegui.
Em tempo: na coluna de Wianey Carlet dessa sexta há referência sobre a resposta do então General-Presidente da República, João Batista Figueiredo, à CBF para custear a Copa do Mundo de 1986. Reagiu, o presidente que fora criticado por gostar mais do cheiro de cavalos que cheiro de gente: você conhece uma favela do Rio, você já viu a seca do Nordeste, você acha que vou gastar dinheiro com estádios de futebol ? Pois não é que o populista e simpático presidente Lula foi em sentido contrário. Pois é, depois que detectei diversas formas de se locupletar e observando as vacas de leite que a família de minha mulher dispõe, concluí: as vacas são muito diferentes de nós porque transformam pasto em leite e nós, os homens, transformamos caviar em merda.