Em 1967, numa tarde qualquer de outono, estava sentado na grama com meus amigos chupando laranjas e a ouvir estórias, livros e filmes, principalmente os de homens parrudos tipo Hércules, Sansão, Ulisses e Maciste. Era uma época em que o fisiculturismo era sinônimo de masculinidade e de extrema saúde. Fernando, o cigano, narrou com acréscimos o filme O Homem Que Ri, da obra do magnífico Victor Hugo. Versava sobre um garoto que teve a face deformada com faca e que permanecia com o sorriso estampado mesmo em condições diversas, como sorrir ou chorar. Sempre tive curiosidade de assistir a este filme mudo, produzido em 1928 porque aos dez anos tinha a nítida impressão que dissimulação, chorar quando seria para sorrir - sorrir quando seria prá chorar, era obra de ficção.
Nunca antes, parodiando o ex-presidente, a classe médica esteve em momento tão desfavorável na opinião pública. Chamam-nos de mercantilistas e que a tecnologia afastou os médicos dos pacientes . Há, para o entendimento geral, que se considerar que realmente executa-se uma medicina fast-food, que o sujeito mal acaba de sentar, quando há cadeira evidentemente e já recebe a receita – Rivotril-Sertralina-Paroxetina-Omeprazol. Sem ser examinado é encaminhado a uma bateria de exames de sangue e imagens. Em muitos recantos há relatos de cesarianas em homens, além de falecidos em eternas reinternações.
Há que se considerar que a tecnologia afastou muitos médicos do contato físico com seus pacientes. Os médicos de três décadas passadas eram peritos em extrair dos relatos e exames físicos a maioria dos diagnósticos. Essa era a medicina dos desbravadores, aqueles que abriram picadas a machadadas. Alguns se foram, outros permanecem firmes a ensinar o quanto o corpo físico e a voz dos pacientes têm a transmitir aos médicos.
Conheço muitos médicos jovens que não riem, nem mesmo sorriem e nem entendem a importância desse simples ato ao paciente. Há médicos que não dão importância às necessárias ressonâncias que dão verniz à vocação tão nobre dessa ciência peremptoriamente humana. O médico que ri, o médico que sorri não deveria ser ficção ou referências estanques. Deveria ser a regra, o cartão de apresentação.
Nesse dia 18 de outubro, dia do médico, é preciso refletir que para abraçar essa profissão faz-se necessário um pré-requisito básico: tem que gostar de gente. O médico tem que tratar as pessoas ao invés de tratar apenas as suas doenças. Assim está escrito em obras como Médico de Homens e de Almas (Taylor Caldwell), sobre a vida do médico Lucas, o também evangelista e A Arte Perdida de Curar (Dr Bernard Lown). Os colegas acima citados parecem-me saber essas duas obras de cor e salteado.
Nesse dia 18 presto uma homenagem aos queridos professores, médicos antigos, aqueles que sem tecnologia criaram o berço sobre o qual hoje deitamos.
PS - Recebi com afeto o livro A Bela e a Feia da Dra Fabiana Piovesan que escrito a quatro mãos com sua filha Valentina Bervian enriquecem as nossas vidas. Não há nada de maior grandeza que uma música feita ao lado do berço do filho, que um livro contando a cumplicidade do maior amor do mundo – pai e filho, mãe e filha. Querida Dra Fabi, duas palavras prá te dizer – genial e obrigado.