Uma: meu irmão, Rubens Salles de Anunciação (Binho) postou no face uma linda mensagem dirigida à Neca, nossa mãe que faleceu há quatro anos, uma semana antes da morte de nosso pai, Jorge. Na mensagem há toda a magia que cerca o relacionamento de mãe e filho e um pedacinho de todo o desprendimento e zelo materno. Queria dizer ao meu irmão Binhoque não consegui conter a emoção de sua manifestação espírita, principalmente quando refere somente aceitar nova existência se retornar como filho da Neca, pois quem desfrutou desse amor nunca haverá de se contentar com outro. Na minha adolescência, quando vivíamos sob o mesmo teto, a gente não tinha grana para contratar empregada doméstica. Essa função cabia a mim.
Mas era mais do que isso. Havia sempre o rádio ligado bem alto e na voz das melodias de Moacir Franco minha mãe sonhava e a gente cantava junto. Era também o confidente dela, era talvez seu melhor amigo naquela época. Por isso, creio, foi tão difícil quando a turma toda foi embora para Blumenau e eu fiquei. Binho contou-me que Dona Neca sempre punha a mesa como se eu fosse fazer as refeições junto, como se nunca fôssemos ficar distantes. Coube a mim acompanhar seus últimos momentos antes de ser sedada e ir para a ventilação. Nunca contarei aos meus irmãos como nossos últimos momentos foram difíceis. Binho, meu irmão de fé, emocionado, gostaria de acrescentar sobre nossa mãe que... bem, na verdade gostaria de dizer o seguinte... olha, mãe, é o seguinte...te amo prá sempre...eu nunca mais vou te esquecer.
Duas: a tragédia acontecida na nossa cidade (capotamento de ônibus) que envolveu trinta e sete pessoas no último sábado trouxe importantes ensinamentos. Quase cinquenta médicos, seis enfermeiros, dezenas de técnicos de enfermagem trabalharam intensamente para recuperar as vinte e três vítimas que aportaram ao Hospital São Vicente. Gentilmente foi delegada a minha pessoa e ao Dr FábioBatistella a triagem dos feridos. Cinco deles foram à cirurgia simultaneamente e dezoito permaneceram em severa vigilância clínica. Até o momento de escrever essa crônica não houve mais óbitos entre os feridos. Havia a agitação compatível com a situação na sala de emergência; havia, mais do que a usual competência profissional de todos, havia a solidariedade, a humanidade, a disposição de ajudar, curar e confortar.
Pensávamos nos feridos e nos seus desesperados familiares que tentavam conecção com os celulares dos pacientes e lembrei da Boate Kiss. Lembrei, também, quando empreendemos igual empreitada quando do surto da gripe A quando, arriscando as nossas saúdes, permanecemos na linha de frente, como convém ao verdadeiro médico, enfrentando o inimigo desconhecido e voraz. Também, daquela vez, nem sabíamos se iríamos sobreviver, já que estávamos no front, em contato direto com o vírus. Alguém tinha de estar ali, naquele momento, para cuidar das vítimas. E esse alguém éramos nós. Queria dizer a todos que participaram do resgate, os profissionais da área da saúde, polícias, bombeiros, jipeiros, voluntários que dá prá acreditar num mundo melhor, mais solidário. Puxa, se a gente se dá as mãos nas grandes tragédias porque não fazemos mesmo nas pequenas tragédias (se é que existe tragédia pequena ou grande) que marcam o nosso cotidiano, entre as paredes de nossas casas ou ambiente de trabalho ? Os médicos são assim, Dona Dilma, execrados, às vezes, imprescindíveis em outras tantas, solidários quase sempre e humanos, demasiadamente humanos, sempre, com seus erros e acertos.