OPINIÃO

Carta aos filhos

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Muitos de nós entendem a passagem de ano como mais do que um rito comercial, talvez até como sobrevivência pura, ou renovação, ou ainda com esperanças em melhores jornadas. Pessoalmente o entendo como um dia qualquer, assim como o natal e páscoa. Desconfio do Jesus histórico, assim como procuro entender o homem na terra, suas origens, a finalidade da vida e da morte. É preciso ler, buscar informações e , se houve mesmo um criador, a dúvida e as filosofias a respeito do significado do ser e do existir devem ter sido delegadas por Ele ao homem, pois, como consta, nada acontece sem Ele saiba e permita acontecer.

Mesmo o livre arbítrio, a liberdade de escolha para o bem ou mal, tem sido questionado pela ciência. A gente nada sabe, mas necessariamente não somos obrigados a permanecer nesse estado subserviente. A gente tem uma ideia, de repente. De onde ela surgiu? Veio de nós? Veio fora de nós? Ou, talvez, nem tivemos a tal ideia, foi a ideia que teve a nós. O meu agnosticismo é só meu, sinto-me bem com ele. Mas, é forçoso admitir que dá um vazio e uma sensação de desamparo.


O mundo poderia ser mais simples, mas ele é complicado. E ele (mundo) se divide em dois (segundo Roberto Damatta): o da casa e o da rua. O mundo das nossas casas tem hierarquia, mutualidade, respeito, regras e é extremamente solidário. Há, nele, sentimentos compartilhados e valores resguardados, respeitados e preservados. É um mundo decente, bom e belo. As pessoas tem rosto (alma) e Assim deveria ser, entendo. Ao contrário o mundo da rua é impessoal, as pessoas têm cara e corpo, é um lugar de luta selvagem, onde o materialismo se sobrepõe, mundo da sobrevivência e do desapego, onde a regra é a sobrevivência, custe o que custar. Mundo da ganância e da violência, mundo do custe o que custar.

Qual seria o mundo exato a apresentar aos nossos filhos? O mundo idílico que sonhamos que deveria ser? Ou o ano que é?

Faz-se necessário que os filhos sejam apresentados aos dois mundos para que não cresçam alienados, filhos não devem crescer em redomas.

Meus filhos sorriem tal qual seus pais, têm a honestidade e a firmeza de caráter que seus pais herdaram dos ancestrais, têm a humanidade e a certeza da trilha que devem seguir, têm até mesmo as incertezas da fé religiosa.
Antigamente, quando imaginava que havia a mágica da passagem do ano e fazia pedidos às estrelas, pedia coisas que talvez nem tinha pensado em pedir. Outras vezes planejava o ano, quando ía à praia. Depois de um breve período de descanso, saía a caminhar pela orla, água batendo nos pés, olhando a areia e, aí, visualizava o caminho a desenvolver naquele ano que iniciava. Lembro que tudo isso iniciou no verão de 1978 quando os Incríveis lançaram - Marcas do Que se Foi (esse ano / quero paz no meu coração...) decidi dedicar o ano a reafirmar os laços de amizades, a reaproximar daqueles que, por um motivo ou outro, estava distante. Daí em diante, a cada ano, propunha novos objetivos.

Estava pensando nesse final de ano que pedido faria às estrelas ou ao mar. Aí, olhei para os olhos de meus filhos, para a paz de seus sorrisos e percebi que as estrelas já tinham me agraciado como pessoa e pai. Meus filhos cresceram com a tendência clara de tentar levar o mundo da casa para a rua e a evitar trazer o mundo da rua para dentro da casa. Quem consegue criar filhos neste modelo tem, com certeza, poucos pedidos a fazer ao mar ou as estrelas. Quem não sabe a diferença que existe entre casa e rua tem um monte de pedidos a fazer porque talvez não tenha a concepção de que não é possível pedir ajuda externa quando as soluções deveriam estar dentro de nós.

 

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