A morte de Nelson Mandela encerra um ciclo para todos os que nasceram há mais de cinquenta anos, tal qual a morte de Che Guevara e de John Lennon. De uma maneira ou outra, essas figuras repercutiram em nós pela música e busca da paz, pelo sonho utópico do extermínio das desigualdades e pela luta contra a segregação sócio-racial. Mandela, assim como sua mulher Winnie, não nasceram para ter doces sonhares. Nasceram com o fito de lutar pela paz e bem comum. Mandela morreu (?) e suas batalhas ainda ecoam, não morreu em vão, mas a luta não tem e nem terá fim porque o demônio que habita o interior de cada um de nós teima paulatinamente a se manifestar. E ele se manifesta através das pequenezas das nossas condutas, aquelas mesmas que nos empurram para a vala comum, a vala daqueles que podendo ser melhores optaram por serem piores. Não é o mundo que é bom ou ruim, são as pessoas que o fazem assim. Não era a África do Sul que segregava, eram ou são as pessoas que assim o fazem. Certa feita um esperto general não deixou que reprovassem num exame médico um voluntário. É que o voluntário não tinha a altura mínima para ser soldado. O general falou bem alto: para mim a altura de um homem deve ser medida dos ombros para cima. Penso que talvez devesse ser medida a partir do coração. Aí, por essa regra, Nelson Mandela tem a dimensão que o coloca no panteão.
Minha filha, Georgia, vai cursar Relações Internacionais na FAAP (Faculdade Armando Alvares Penteado) em São Paulo. Estou com ciúmes porque essa faculdade deveria ser para mim. Ela trata de quase tudo que eu queria ser, além do sonho frustrado de ser Engenheiro Florestal. Tem professores excelentes e, volta e meia, há palestras desde Antonio Patriota (Ministro das Relações Exteriores) e Rubens Ricúpero (ex-Ministro da Fazenda), a Bill Clinton e George Bush. Trata do mundo, como aldeia e de suas responsabilidades sociais, bem diferente de meu mundo médico que, às vezes, somente percebe as vísceras intra-abdominais dos pacientes. Minha filha terá uma visão de mundo e é bem provável, sonho com isso, que deverá ter papel mais importante do que o desse simples Cirurgião Geral. Vai firme, meu amor, vai com esse dos meus sonhos não realizados.
Lembro, amiúde, das minhas primeiras vezes, sempre com muito carinho. A primeira garota que aceitou dançar comigo, a primeira vez que não caí de uma bicicleta de duas rodas, o primeiro relógio de pulso, a primeira vez que beijei minha mulher. Quando Isolda, irmã famosa do inesquecível Milton Carlos, compôs Outra Vez, eternizada na voz do Rei, pensei em coisas que gostaria de viver novamente e percebi que quase todas elas são incrivelmente simples, simples como a vida, simples com uma canção de ninar. Desenvolvido parcialmente no Espiritismo, às vezes percebo companhias de alguns daqueles que já nos deixaram. Alguns participaram ativamente de minhas primeiras aventuras. Não tenho medo ao percebê-los, ou à idéia de desejar percebê-los, apenas me quedo a imensa ignorância sobre as coisas do mundo, aquelas que os nossos limitados sentidos deixam de detectar. Percebo-me, então, criança de mente aberta, a experimentar muitos mundos como se tudo fosse a primeira vez, como se muitas coisas fossem acontecer – outra vez, assim, simplesmente.