Ação impacta eleições
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso, produziu uma das mais belas páginas da literatura jurídica ao argumentar seu voto favorável à revogação da contribuição de empresas aos candidato. A discussão envolve entidades de defesa da cidadania do Brasil (“amici curiae”), além da instituição autora da ação de inconstitucionalidade, o Conselho Nacional da OAB. A Ordem entende que a permissão de tais recursos significa intervenção indevida que pode afetar o eleitor na hora de votar. A Câmara dos Deputados indaga ao STF sobre a competência para julgar a norma eleitoral de ajuda financeira das empresas a determinados candidatos ou legendas partidárias. A maioria dos ocupantes dos poderes executivo e legislativo, mesmo sabendo da urgência da reforma política tem demonstrado pouco interesse em mudar os critério. Por isso a reforma não sai do papel. Então, a interposição da ação contrária à arrecadação de dinheiro das empresas para custeio das campanhas eleitorais, procedida com competência pela Ordem dos Advogados, causou verdadeira espécie no cenário de disputa presidencial para o próximo ano.
Mais barato
A cada voto, nas manifestações dos ministros que analisam a ação da OAB são invocados conceitos sobre cidadania, legitimidade constitucional para decidir e o direito inabalável do voto, como ato pessoal e indevassável do cidadão. Tudo é fundamentalmente relevante e se apresenta mais urgente. Invoca-se a participação financeira das empresas aos moldes eleitorais dos Estados Unidos. Os ministros do STF, a OAB, em especial o representante do Ministério Público, Rodrigo Janot e o advogado da CNBB, Marcelo Lavenère Machado manifestam-se fulminantes pela necessidade de afastar a norma que autoriza a contribuição em dinheiro da pessoa jurídica. Fazem enfáticas referências à necessidade de separar as prerrogativas do voto, da qual é soberanamente titular o cidadão eleitor, num raro momento destinado à igualdade de direito e poder para modificar a vida nacional. Quer dizer, o voto como ato de consciência livre do cidadão, com validade igual independentemente da condição financeira, idade, cor ou credo, é grande expressão da democracia republicana. Afetar, mesmo que obliquamente esta conquista, pelo poder econômico, afronta o direito e a justiça. Trata-se de impedir que o desequilíbrio de instale. Também ficou claro que todos concordam com a necessidade de baratear a campanha eleitoral.
Caixa 2
Não há dúvida de que a provocação da OAB perante o supremo é resposta à morosidade da reforme política no Congresso e ao clamor das ruas pela decência da disputa eleitoral. O eufemismo da caixa -2 quase explicou o mensalão, escancarado roubo. Por outro lado, seria disfemia dizer que a participação das empresas nas campanhas é meramente ensejar a fraude. O que se analisa é o estado de vigilância em que foi colocada a sociedade civil, contra os efeitos do coronelismo, já que 50% de todos os atos conhecidos de corrupção envolvem tal modalidade de arrecadação de dinheiro.
Toma lá, dá cá
Quem faz a doação de campanha como empresa, via de regra, projeta algum privilégio, ou até justo benefício caso o candidato ou partido tenha sucesso eleitoral. Embora pareça apenas suposição, é quase inevitável que até o menos afoito candidato deixe de preservar o necessário escrúpulo ao solicitar a dita colaboração. O jogo de pressão parece ser inevitável.
Ideologia
Para Lavenère, a preservação da incolumidade do ato de cidadania é necessária e urgente. Citou, na tribuna do STF, a expressão latina: “Sublata causa, tullitur effectus” – extirpada a causa, afasta-se o efeito. Referiu-se à temerária legalidade da arrecadação dos candidatos e partidos, ainda que limitada, sob pena de vermos crescerem contumazes achacadores. É cortar o mal pela raiz. Também, a concepção de que a iniciativa privada ajuda candidatos lá nos EUA, não pode ser argumento implacável para o Brasil. Há forte oposição ao caixa- 2, nas cortes judiciais americanas. Além disso, nem tudo o que serve para os americanos é bom para o Brasil. Eleições com ênfase no dinheiro é o que leva, lamentavelmente, a alguns casos de formação de quadrilha. O debate vai continuar.