OPINIÃO

Mahogani

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Tenho muitas crises de identidade como, por exemplo, se sou cronista ou colunista. Então, consultei Carlos Heitor Cony que me diz que cronista é o cara que dá pitacos e o colunista é o que descreve eventos sociais, políticos, econômicos e outros, sem dar opiniões pessoais. Não sei se é de bom alvitre ofender as inteligências alheias oferecendo-lhes opiniões pessoais sobre determinados assuntos. Melhor seria, talvez, oferecer o fato e deixar a cada um o juízo. Melhor seria oferecer ao leitor a pergunta – será? De forma que permaneço em indescritível crise. Alguns de meus leitores apreciam análises sócio-políticas e, outros, considerações sobre a vida que vivemos e sobre a que gostaríamos de ter vivido. Às vezes, não sei sobre que tema deveria escrever.

Por exemplo, queria escrever sobre Romeu Tuma Jr e o seu bombástico livro Assassinato de Reputações, esgotado mesmo antes de chegar às livrarias em que conta em detalhes os meandros dos últimos doze anos de governo petista. Nada de novo, nada que não tenha sido abordado nesta ou outra coluna. Mas, em época de natal chega desses assuntos que não levam a lugar algum visto que a popularidade da presidenta aumenta. Acho que o povo não lê, ou não quer ler, ou não quer saber, ou acha que colunistas ou cronistas são um bando de viados enfatiotados que querem fazer a cabeça do povo contra um governo que brotou do anseio de um povo historicamente oprimido.

Escreverei, portanto, sobre Mahogani. Tema de Mahogani, que em 1976, na voz de Diana Ross, atingiu em cheio o coração dos adolescentes que buscavam um rumo. Nessa fase das nossas idades a gente busca coisas existenciais, afinal não somos mais crianças e há de haver sentido nas coisas. Então, buscamos o contraditório, o amor por uma mulher mais velha, um papo mais cabeça, um contraponto. As meninas da minha idade buscavam o amor de um homem mais velho, de preferência, comprometido, inacessível e que permitisse a melancolia típica de um amor platônico, tão necessário à construção da idéia de que aquela menina sofredora estava acima das querelas comuns, queria algo mais, um sonho, mesmo que inatingível, pois, afinal, era mais do que somente uma menina à procura de um homem para casar. Elas, em meio a uma festa, sentavam-se estiradas em um sofá, fumavam e tergiversavam sobre o amor impossível, aquele que fugiu de suas mãos e, agora, seria causa de sofrimento prá sempre. Mahogani perguntava se a gente sabia para onde se estava indo e se a gente estava contente com as coisas que a vida estava mostrando.

Como era adolescente havia um mundo inteiro a ser percorrido e uma vida inteira a ser vivida. Nessa aventura poderia arriscar afinal virgem de tudo poderia arriscar e ganhar ou perder para gabolice ou arrependimento mesmo porque jovem e sobre a irresponsabilidade permissível própria da idade estava autorizado a jogar o jogo da vida.

Agora, não mais, os brancos cabelos que nos restam, as cicatrizes de todas as batalhas grandes ou pequenas que travamos não permitem que olhemos muito prá frente. Mas somos inexoravelmente pungidos a olhar para trás e perguntar com a ajuda de Mahogani se estamos felizes com o que a vida nos mostrou e se a gente escolheu o caminho certo para cumprir o desiderato que almejamos. O natal só será realmente bom para nós cinquentões se ouvimos em algum momento o questionamento de Mahogani e deliberamos as nossas ações juntando o coração com a razão. Se, ao contrário, prevaricamos sobre os sonhos, ainda há tempo – Diana Ross continua com a voz boa e dá para perder três minutos para voltar a 1976 e ouvir Theme from Mahogani, afinal, o adolescente que nos habita nunca foi embora, o passado ainda nos pertence e como escreveu Quintana – o passado não reconhece seu lugar...está sempre presente.

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