A primeira vez que viajei a São Paulo procurei o cruzamento da Ipiranga com a São João, romanticamente porque queria ver o point inicial da morada da dupla Gil-Caetano na capital paulista. E, tal qual Caetano, fiquei assustado com a megalópode e, confesso, foi um difícil começo. Lembrei do bairro Botafogo, no Rio, do Solar da Fossa, onde entre outros, na mesma época de Caetano, morava Capinam. Este, no dia 08 de outubro de 1968, nervosamente escreveu Soy Loco por tí América, que Gil musicaria e que Caetano cantaria, composta em razão da morte de Che Guevara. Depois, fui ao Brás, ao Bixiga do Adoniram, ao Ibirapuera, aos Jardins, procurei Jaçanã.
De alguma maneira, talvez pelos meus pais, adquiri gosto pelos desafios, a crescer nas dificuldades. Balda da minha gente, diria São Borja. Meus amigos cruz-altenses quando estudavam e aventuravam no Camobi em Santa Maria viviam com a média de 10 reais ao dia. Pois, eu haveria de sobreviver com 5. Talvez, idiotice. Talvez porque estivesse sedimentado na minha cabeça as imagens de Peter OToole em Lawrence da Arábia, primeiro filme épico que assisti, aos 7 anos em que o personagem passou pelo extremo da sobrevivência.
Minha filha vai estudar na São Paulo de Rita Lee e vai tentar entender a dura poesia concreta de suas esquinas e a deselegância discreta de suas meninas. Se vencer a adaptação inicial...bem, aí tudo será bom. Ela sabe que a família estará sempre por perto. Nossa vizinha, Natália Zuse, menina ainda, vai encarar o desafio de morar longe do aconchego e dos cuidados de seus pais. É o destino, é a vida. Têm tudo para brilhar. Ficaremos na retaguarda atentos, entristecidos pela distância, mas felizes por podermos participar ativamente dos projetos profissionais e pessoais de nossos filhos. Uma cursará Relações Internacionais e a outra, Medicina. Gostam de gente, por isso, suas escolhas. O mundo precisa de gente que gosta de gente.
Meu coração e pensamentos vagueiam pela Teixeira Soares e Avenida Rio Grande. Veja, ali, há 30 metros, na enfermaria do quartel, nasceu minha mãe, em 1932. Mais ali, a 100 metros, nasceram meus filhos, no São Vicente. Lá, há 400 metros, na Praça Tamandaré, comecei a namorar. E aqui, a 15 metros, meu pai trabalhou e eu vivi por sete anos, na Unidade da Cavalaria. Moro, portanto, dentro da geografia da minha história e devo muito, a muitos. Meu pai queria e foi enterrado em Passo Fundo porque entendia que nessa terra habitam as melhores pessoas que conhecera. É, também acho.
Aqui é terra de Fábio Nunes, Odalgir Camargo (o bruxo), Nevy Gabriel ( homem das artes, compreensão e da amizade); Arcildo Leidens (professor de Judô e estimulador aos bons costumes), José Henrique Bassani (melhor amigo da adolescência) e seus irmãos e a tantos outros. Como agradecer sem ser saudosista? Ainda, os tios Mario e João Dutra, Amadeu Goelzer e o moita, Romeu Machado, a quem fui homenagear na crônica anterior e me referi ao não menos importante filho, Heitor Machado. Todos, também, do galpão, da charla, dos causos. Conheci gente baldosa; separei-me dos sestrosos e caborteiros. Soube escolher bem meus companheiros de jornada.
As histórias que conto são apenas reprodução do aprendido com os mais velhos, os contemporâneos e os novos, que minhas escolhas permitiram fazer e que me fazem entender que o mundo é melhor do que imaginamos ser.