OPINIÃO

Gardel e Eu

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Carlos Gardel, dizem os argentinos, canta cada vez melhor. E dizem isso apesar da inconfundível entonação afetada de Gardel, em meio a discussões se ele nasceu na França, no Uruguai ou na Argentina mesmo, e, mais surpreendente ainda, pelo fato de ele ter morrido em 1935, num acidente de avião em Medellín, Colômbia. Quanto a mim, sem que pareça demasiado o atrevimento, se passou algo parecido.

Explico: ainda que tenha assinado minha última coluna em O NACIONAL - Um e-mail, um telefonema e uma decisão – na edição de final de semana, 21 e 22 de julho de 2012, não foram poucas as vezes que, nesses quase dois anos de silêncio, ouvi de algumas pessoas, quase sempre em tons elogiosos, coisas tipo “gosto muito do que o senhor escreve” ou “leio sempre as suas crônicas”. Estranha essa sensação, pois mesmo não estando escrevendo, aos olhos de outros, era como se eu estivesse escrevendo cada vez melhor. Então, para acabar de vez com esse mito de aldeia e atendendo aos reiterados convites do diretor-presidente Múcio de Castro Filho e da editora-chefe Zulmara Colussi, estamos de volta.

Lenda à parte, essa volta às páginas de O NACIONAL retoma uma história que começou com o nosso primeiro texto assinado na edição de 24 de dezembro de 1990. Seguiu, nesses quase 24 anos, com colaborações que, em algumas épocas, chegaram até três colunas semanais, cadernos especiais – Trigo no Mercosul, o mais emblemático, em 1997 -, três paradas e, com esse, três retornos. O material reunido nesses textos foi suficiente para publicar 10 livros, que somados dão mais de três mil páginas (Meteorologia: Fatos & Mitos, Trigo no Mercosul, Cientistas no Divã, Galileu é meu pesadelo, A Ciência como ela é..., etc.).

Na realidade, esse recomeço faz parte de um inventário pessoal de final de ano e da pretensão de reformulação de nossas atitudes diante do mundo, que pretendemos implementar em 2014. Não foram fáceis os últimos sete anos, tanto na carreira profissional quanto na vida pessoal. A passagem por cargos da administração pública, com suas perdas e ganhos inerentes, a difícil retomada da carreira científica em um ambiente de cada vez mais competição, a elaboração de propostas e a buscas de recursos para tocar novos projetos de P&D, a geração de dados e a condução de uma pesada experimentação a campo, a reformatação da rede de relacionamentos profissionais, etc. exigiram um preço maior do que originalmente supúnhamos.Enfim, três anos, quatro meses e 19 dias passados, desde que retomamos à função de pesquisador científico da Embrapa, respiramos. E, se esse período de ausência não serviu para outra coisa, pelo menos foi pródigo para a renovação do nosso estoque de metáforas. 

Agora, que as coisas estão postas nos seus devidos lugares, para continuar a viagem desse a crônica inaugural, que está mais para “o tango do crioulo doido”, só falta mesmo Carlos Gardel reaparecer vivo nas páginas de El Clarín ou de La Nación, em furo de reportagem de Ariel Palacios, e confessar que não morreu naquele acidente em Medellín, que não são dele os restos mortais que repousam em La Recoleta, que passou os últimos anos cantando tangos em cafés de La Boca e que aquele imitador de Gardel, muito aplaudido ao cantar nas ruas de Santelmo, era ele mesmo. E mais: não é mito.

Houve sim um tiro a bordo, que atingiu o comandante, fazendo com que o avião desse uma guinada para a direita, atingindo outra aeronave, enquanto corria na pista do aeroporto de Medellín, durante a preparação para a decolagem, naquele 24 de junho de 1935. E revelação bombástica: o tiro foi disparado por Alfredo Le Pera, o principal letrista de Gardel, que não suportou a zombaria do comandante que identificou no espanhol dele um leve sotaque paulistano do Bexiga.

E, então, parece que se cumpriu a profecia e aquele ponto final, colocado no canto inferior direito da página 3 de O NACIONAL, edição de 21 e 22 de julho de 2012, efetivamente, não foi um adeus definitivo, mas apenas um até breve. Espero, como das outras vezes, nesse retorno, ser bem-recebido por você, prezado leitor!

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