Era complicado caminhar à noite em 1962 pelo rebuliço das atitudes do valente governador gaúcho Leonel Brizola. Insatisfeito com a qualidade dos serviços prestados pelas empresas norte-americanas Bond and Share que pertencia ao American Power Foreign e pela ITT (International Telephone and Telegraph Corporation), empresa que equivaleria ao Google, hoje em dia, em dois canetaços (1958-1962), Brizola estatizou-as. Esse golpe aos interesses estrangeiros repercutiu de tal maneira que houve orquestração para a derrocada do governo de Jango, cunhado de Brizola e a extradição subsequente ao mesmo porque se vendia a idéia que de Jango-Brizola seguiam a cartilha do melhor presidente que já tivemos, Getúlio, de sentimentos nacionalistas que contrariavam investidores estrangeiros e seus apaniguados brasileiros, atravessadores e vendilhões. Falavam que eram socialistas e que transformariam o país em aliado da Rússia e Cuba. Getúlio havia ofendido demais a classe detentora do poder. Afinal, criara o salário mínimo, as garantias da CLT, o voto feminino. Fundara a Petrobras (o petróleo é nosso) e a Companhia Siderúrgica Nacional. Os adeptos do neoliberalismo ou neocolonialismo, como queiram, entendiam que era mais prudente deixar a condução dos grandes negócios nas mãos das empresas estrangeiras. No futuro, FHC e sua quadrilha, entregaria de bandeja as nossas empresas ao capital estrangeiro, o que conhecemos como privatizações.
Alheio a isso, Acácio retornava pela rua Duque de Caxias, em Cruz Alta, lá pelas três da matina após um carteado com amigos aposentados do DAER. Avistou, então, serenamente brincando em uma calçada um menino loiro de aproximadamente três anos. Acácio se assustou e pensou na irresponsabilidade do mundo com as crianças e se aproximou até uma distância entre dez e quinze metros quando a criança se levantou e o fuzilou com um olhar gélido, ao mesmo tempo em que com as mãos acenou para não mais se aproximasse. Acácio, instintivamente se afastou e a criança passou a seguir seus passos. Ele parava, a criança parava. Ele seguia, a criança acompanhava. O velho aposentado se ressentia ainda da morte de um filho com a idade do menino loiro. Talvez, projetasse em imagens fantasiosas ou comandos cerebrais, ou ainda numa ponte entre diferentes dimensões ainda incompreensíveis para a maioria, o desejo da eterna permanência entre aqueles que se amam. Em outra noites em que Acácio, melhor amigo de meu pai, estava na nossa casa para dividir os causos de antigamente, alguém batia insistentemente à porta. Nunca vimos ninguém, a não ser Acácio que dizia que o menino estava a lhe chamar.
Há quarenta e quatro anos, já em Passo Fundo, fui assistir com meu pai ao embate entre 14 de Julho versus Esportivo. Era Abril de 1970. Ontem, levei meu filho para acompanhar Passo Fundo versus Esportivo, no mesmo estádio. Senti-me mais próximo de meu velho, senti fazendo uma ponte entre o antecessor e meu sucessor, senti felicidade e saudade. Velhos e eternos amigos, ligados por coisas simples.
Lembrei do velho Acácio, falecido, assim como meu pai, amigos de todas as horas. Pensei em nossos sonhos, no Carpe Diem de Horácio (viver a vida) e o que nos faz felizes. Não lembro exatamente do que morreu, o aposentado do DAER. Com certeza partiu feliz ao atender finalmente o convite do menino loiro para também brincar na calçada porque, afinal, quem ama de verdade nunca se separa. Quem ama de verdade está sempre rindo e brincando, como velhos amigos