A cada final de tarde ela corria até o portão de sua residência e fixava o olhar em direção à Praça do Hospital da Cidade, acompanhada de um aperto no peito que só aliviava quando conseguia ver a figura do marido retornando do trabalho. Cinquenta anos após o golpe militar que depôs o presidente João Goulart, em 1964, Leda Teresinha de Freitas,75, viúva do advogado e jornalista João Baptista Mello de Freitas, apontado como principal vítima da ditadura em Passo Fundo, falou pela primeira vez para um veículo de imprensa sobre o pesadelo vivido durante os “anos de chumbo”.
Leda recebeu a reportagem de O Nacional, no final da tarde de quarta-feira, em seu apartamento, no centro da cidade, acompanhada do filho, o também advogado Adolfo Freitas. Nas últimas cinco décadas foi a segunda vez que ela decidiu quebrar o silêncio. Na primeira, concedeu uma entrevista para o professor José Ernani de Almeida, mestre em história, publicada em 2005 no livro Denuncismo & Censura nos meios de comunicação de Passo Fundo – 1964/1978. Numa conversa de aproximadamente duas horas, intercaladas por momentos de muita emoção, ela recordou da infância no município de Estação, dos primeiros flertes com João, a vinda para Passo Fundo, e principalmente, do sofrimento do casal a partir do golpe de 64.
Descrito pela esposa como um homem de comportamento reservado e um talento nato para o jornalismo, João iniciou cedo na militância. Fez parte do Grêmio Estudantil Nossa Senhora Conceição, entidade ligada à União Estadual e Gaúcha de Estudantes, até chegar ao clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB). Uma trajetória devassada pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), a partir de 1962, quando participou de uma cobertura jornalística sobre o conflito agrário na Fazenda Annoni, em Pontão.
O envolvimento político aliado às funções de redator-chefe de O Nacional, onde assinava colunas, e o cargo de funcionário da Câmara de Vereadores, despertaram a atenção dos militares. “Ele ouvia a voz do Brasil fazendo anotações, depois redigia os textos a partir das informações. Tinha uma cabeça incrível” conta Leda. Dois meses após o golpe, Freitas sofreu sua primeira prisão, juntamente com toda a bancada de vereadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O grupo foi levado para Porto Alegre, permanecendo detido por cerca de uma semana.
“Éramos noivos nesta época. Recebia as cartas que ele mandava da prisão demonstrando a preocupação comigo e com a família dele. Aquilo era apenas o começo de um sofrimento que se estendeu por vários anos” recorda