"Modelo de índio da Funai é dos anos 60"

Para pesquisador, falta uma política indigenista clara e objetiva no Brasil

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Prestes a lançar o 7º e último volume de um amplo e profundo estudo sobre os conflitos agrários na região Norte do Estado, o professor da UPF, João Carlos Tedesco, doutor em ciências sociais, vem há quase uma década dedicando horas de pesquisas sobre o tema, que voltou a ganhar repercussão nacional esta semana em decorrência da morte dos irmãos Anderson de Souza, 27, e Alcemar de Souza, 26, por índios caingangues durante um suposto conflito no  município de Faxinalzinho.   

A obra reúne cerca de 400 páginas e direciona o foco para a disputa territorial entre índios e agricultores. Tedesco reconstrói o contexto histórico de áreas conflitantes como Pontão, Mato Castelhano, Candoia (Votouro), Passo Grande Forquilha (Sananduva), Gentil e Mato Preto. A partir de documentos, laudos, e entrevistas, ele analisa ações estratégicas de cada grupo.

Na avaliação do pesquisador, o problema desta disputa tem três questões essenciais: falta de uma política pública indigenista; ambiguidade jurídica relacionada ao artigo 231 da Constituição Federal, e o embate social. Sobre o primeiro ponto, Tedesco diz que existe uma falha dos governantes no que diz respeito à política indigenista pelo fato de não ter clareza sobre o ‘tipo de índio’ que se quer na sociedade atual. “A Funai e alguns antropólogos querem um modelo de índio que nem o próprio índio deseja ser, vivendo nos moldes dos anos 60, da pesca e da caça. Na nossa região isso não é mais possível. O índio quer terras para plantar, ganhar dinheiro, estudar, cursar faculdade, se inserir na sociedade, se adaptar, mas mantendo alguns aspectos de sua cultura, principalmente a língua e os laços familiares” explica.

O professor lembra que durante a década de 70, houve mais clareza sobre esta política de inclusão, no entanto, não foi levada adiante. Uma época, segundo ele, em que a própria Funai permitia a entrada de colonos nas reservas para ensinar a plantar soja.
“O governo precisa ter uma definição sobre a identidade deste índio. Eles estão buscando terra para a sobrevivência ou pelos seus ancestrais? É uma questão de sobrevivência ou cultural? A primeira opção me parece a mais provável. Tendo clareza sobre isso, fica mais fácil definir a quantidade de terra e o local a ser destinado para os índios acampados na região” comenta.

A segunda questão observada por Tedesco ao analisar os conflitos agrários no norte do RS, é o que ele define como ‘ambiguidade jurídica’ possibilitada pelo artigo 231 da Constituição Federal de 1988, o qual garantiu o direito indígena sobre terras tradicionalmente ocupadas por eles. Com base neste artigo, afirma, a Funai e o Ministério da Justiça passaram a receber as demandas indígenas de identificação e demarcação de áreas de terras, que supostamente seriam por direito dos índios, e que são ocupadas por agricultores familiares.


“Este artigo é muito abrangente. Ele corrigiu equívocos do passado, quando índios foram expulsos de suas reservas em função de determinadas políticas públicas. As reservas foram preservadas, algumas recuperaram seu território inicial. São locais onde houve deliberadamente agrupamento de índios, com memorialidade, cemitérios, ancestralidade e raízes históricas. No entanto, abriu brechas para se pleitear áreas em que ocorreram apenas agrupamentos de índios. Há uma pré-disposição jurídica para contemplar estas situações. É preciso fazer um adendo neste artigo e deixá-lo mais claro” analisa o professor. Atualmente são 13 áreas em disputa na região.

A respeito da terceira questão relacionada com o conflito, Tedesco chama a atenção para a polarização do debate. De um lado, representantes de partidos políticos de esquerda, juntamente com alguns setores da igreja, buscam uma espécie de reparação aos índios pelo fato de terem sido excluídos das políticas públicas em determinados períodos da história. Do outro, grupos radicalmente contra, com uma visão equivocada sobre a questão indígena. “É um embate, um simbolismo que gera realidade, exclusão e confrontos, como o que aconteceu em Faxinalzinho” observa.

 

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