O Fac CineFórum, que inicia na noite desta segunda e se estende, todas as noites, até a sexta-feira, foi construído em cima de uma certa expectativa, como já havia sido no ano passado, na primeira edição. Não há uma comissão organizadora escolhendo o que se deve discutir e em cima de quais filmes. Cada um dos cinco cursos da FAC tem liberdade para escolher, e da parte da organização, resta apenas um certo suspense em saber quais os eleitos. Mais ainda do que no ano passado, acredito que a seleção de 2014 mais uma vez surpreende positivamente. Teremos no evento que acontece no Salão de Atos do Curso de Direito, apenas um filme com raízes norte-americanas, em ainda assim em parceria de produção com a França. Uma animação francesa, um filme uruguaio, um filme argentino e um filme russo. E todos eles riquíssimos para serem abordados em diferentes perspectivas.
Tecnicamente, talvez nenhum seja tão assombroso quanto o filme que abre o evento, “Arca Russa”, de Sokurov. O assombro técnico não se deve ao fato (raro) de ter sido gravado dentro do Museu Hermitage, de São Petersburgo, mas de ter sido gravado inteiramente, em seus quase 100 minutos, em uma só tomada, sem cortes, sem direito a erros perceptíveis, como no teatro. Orquestrar centenas de atores e figurantes nos corredores de uma instalação que não pode ser adaptada como um estúdio e fazer a câmera rodar numa perfeita sintonia com marcação de lugares e diálogos, ao longo de uma hora e meia sem pausa, é feito para poucos.
Assim como o filme russo, o que menos se encontra na edição deste ano é estereotipia e lugares comuns. Mesmo os filmes mais “normais”, como O Banheiro do Papa (que chegou a ser lembrado para ser exibido na edição do ano passado) ou Por Volta da Meia Noite, de Bertrand Tavernier, são obras que se apoiam num discurso visual e num roteiro construídos em cima de seus personagens, a alma de suas narrativas. “Persépolis”, como filme, tornou-se tão cult quando a obra que a originou, e além dos temas que aborda, diga-se de passagem, corajosamente, tem uma legião de lamentadores em torno de sua derrota no Oscar de melhor animação em 2008. A mestranda em História da UPF, Camila Guidolin, que já debruçou-se no estudo da obra, é a convidada ao debate. Já Medianeras é um cult típico dos tempos de internet, um filme que passou despercebido pelo grande público no circuito comercial e ganhou fãs na nova cinefilia espalhada pela internet, destacando-se em textos dedicados a eles em blogs impessoais e, muitos deles, com observações tão ou mais relevantes do que boa parte dos veículos de comunicação “oficiais”. Medianeras é “o” filme a falar sobre a pós-modernidade, sobre as relações nos tempos modernos, sobre tudo o que Baumann defende. A ideia era ter um filme para falar sobre esses temas, e “Ela”, de Spike Jonze, quase foi escolhido. Mas Medianeras é mais conectado com os temas a serem discutidos.
Nas mesas, profissionais da FAC dividem espaço com profissionais, filósofos, sociólogos e historiadores como Gérson Trombetta, Ivan Dourado, Tau Golin, Francisco Fianco e Carlos Teston. Na sexta-feira à tarde, já haviam quase 300 inscritos. Se o número de pessoas envolvidas e a qualidade dos filmes diz alguma coisa, parece ser que o evento tem vida longa pela frente.