Há, no universo da comunidade científica, um grupo de indivíduos que, no jargão dos historiadores da ciência, são denominados de cientistas de “sangue azul”. São parte desse grupo, homens e mulheres reconhecidos como pessoas de notório saber, que ostentam currículos recheados de publicações em revistas com fator de impacto elevado (Science e Nature, por exemplo), galardoados com honrarias acadêmicas de alto calibre e, não raro, detentores de um Prêmio Nobel. Indiscutivelmente, David Baltimore, o imunologista e biólogo molecular, que recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1975, que chefiou o Instituto Whitehead no MIT, que presidiu a Universidade Rockfeller e a Caltech, entre outras credenciais, faz parte dessa estirpe de cientista. Não obstante, talvez até mesmo, presume-se, pela posição de destaque que ocupava e ocupa no meio científico, Baltimore, de coadjuvante acabou virando protagonista principal de um dos mais rumorosos casos de escândalo relacionado com fraude científica, em tempos relativamente recentes. Afinal, qual foi o erro de David Baltimore? Se é que se pode falar em algum tipo de erro de parte dele.
O caso Baltimore, ou a saga de David Baltimore como também ficou conhecido esse episódio, começou logo depois da publicação na prestimosa revista Cell, edição de 25 de abril de 1986, de um artigo assinado por Weaver et., tendo David Baltimore e Thereza Imanishi-Kari como os seniores da lista de seis autores. Os resultados aparentemente inovadores mostravam respostas induzidas no sistema imunológico de ratos pela inserção de genes alheios a esses organismos, por meio do uso de ratos transgênicos especialmente criados em laboratório para esse tipo de pesquisa. Algo que, em síntese, na visão dos autores, poderia revolucionar as pesquisas em imunologia a partir de então. Naquele mesmo ano, no mês de maio, uma bolsista de pós-doutorado, Margot O´Toole, que estava vinculada ao laboratório de Thereza Imanishi-Kari no MIT, onde o trabalho original havia sido realizado, foi encarregada de continuar a pesquisa relatada por Weaver et al. na Cell. Revisando o artigo e os registros de dados que davam sustentação aos resultados, Margot O´Toole encontrou discrepâncias entre o que havia sido supostamente obtido nos experimentos e os dados relatados no artigo, que não davam suporte às ditas conclusões inovadoras. Acreditando tratar-se de mero equívoco e não de falsificação ou fabricação de dados, O´Toole relatou o caso à orientadora da pesquisa, Thereza Imanishi-Kari, que desconversou e alegou tão somente displicência no registro da documentação experimental pertinente.
O rumor tomou conta dos corredores e fundos dos laboratórios do MIT, chegando até os ouvidos do todo poderoso David Baltimore, que, por fazer parte da relação de autores, ainda que não pairasse qualquer suspeição sobre ele, analisou o caso e concluiu pela não necessidade de correção do artigo, pois, na sua visão, os dados eram robustos e as conclusões bem fundamentadas. Margot O´Toole levou adiante a sua não conformidade e, mesmo sendo aconselhada a desistir do questionamento, não parou, fazendo com o conselho de ética do MIT e da Universidade Tufts tivesse que se pronunciar sobre o sempre delicado tema, entre os pares, de fraude na ciência. Os conselheiros não viram necessidade de retratação do artigo, pois, no entendimento deles, no máximo se poderia falar de equívocos menores nas conclusões e falhas nos registros experimentais, mas que, em hipótese alguma, estavam diante de um caso de fraude científica.
O denuncismo protagonizado por Margot O´Toole extrapolou os muros do MIT e da Universidade Tufts, para onde Thereza Imanishi-Kari, que por sinal é brasileira, nascida em Indaiatuba/SP, formada em biologia pela USP, estava de mudança. Chegou até o congresso dos EUA, onde John Dingell, representante dos Democratas por Michigan, comandava um subcomitê que promovia investigações sobre o uso de recursos públicos. Na visão dele, onde havia dinheiro do Governo dos EUA, cabia ao congresso americano investigar. E, nesse caso, especificamente, por entender que havia dinheiro público envolvido, John Dingell incumbiu o Serviço Secreto dos EUA para acompanhar as audiências na condição de assistente da acusação. E ...(continua na próxima sexta-feira).
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