OPINIÃO

Tem vezes que não dá para esperar

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Meu velho pai era militar e gago e isso em nada atrapalhou sua vida, ao contrário, tornou-o simpático e, de certa forma, carinhosamente protegido pelos seus grandes amigos. Gaguejava somente nos momentos difíceis ou nas emoções das grandes alegrias. Em momentos que não estes, como em palestras técnicas, era capaz de discorrer por horas sem escorregar.

No entanto, foi impedido de participar de uma seleção de novos recrutas um ano antes da aposentadoria. A comissão designada pelo comandante da unidade do exército de Blumenau contemplaria um salario extra e meu pai estava escalado. Faceiro, contemplou a família com uma nova TV e outras bobagenzinhas. Quando a lista oficial foi divulgada o nome do velho não constava porque, segundo o oficial que comandaria a tal comissão de seleção, a gagueira de meu velho poderia servir de chacotas.

Naquele dia em que ouviu tal explicação, o velho gago tomou uma decisão porque tem vezes que não dá para esperar. Tão logo cumpriu seu tempo regular de farda apresentou em caráter irrevogável o pedido para passar para a reserva, a despeito da possibilidade de promoção que se aproximava. Entendia que foi considerado como estorvo. E sua maior realização era se sentir útil.

Muitos anos depois ele me contou essa passagem e concluiu com uma das frases que acompanha a minha passagem nessa vida. É uma das tantas que baliza minhas condutas e que tento passar aos meus filhos. Disse: meu filho, se eu não puder ajudar, tenha a certeza de que não vou atrapalhar.
Tão apegado a essa idéia, aos 75 anos quando ficou adoentado e percebeu que poderia constituir um estorvo aos seus filhos, abandonou a vida, autodeletou-se, desconectou, preferiu morrer.

Ah, meu velho gago, quanto mais idade tenho, mais preciso de ti. De te ouvir, de te seguir, de te observar. Queria ser eu gago e não você, que uma pessoa que nem tu jamais passasse por constrangimentos.

Tenho pensado nisso enquanto vou chegando perto dos sessenta anos. A juventude está aí, ocupando seus justos espaços e a gente vai ficando de lado. Parece que o velho, no Brasil, tem que ir para a reserva, talvez no meio do mato. Talvez seja necessário fazer como os elefantes, ir ficando para trás e escolher um lugar qualquer para seu desiderato. Talvez, deva ser como os esquimós que, ao perderem a capacidade de caçar ou pescar, são levados a um lugar ermo para deixar de viver. Talvez, deva ser tal qual nossos animais domésticos que vão se isolando ao perceberem o fim que se aproxima.

Ou, nada disso, talvez deva viver intensamente a alegria dos mais jovens, participar de suas aventuras como ir ao jogo do time amado, vestir a camiseta honrada, dançar o beijinho no ombro, tomar um fogo de vez em quando, para a que a partida não seja assim tão solitária e triste.

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