Uma missa realizada sobre o asfalto da BR 285, no município de Ciríaco, ontem à tarde, foi a maneira que produtores rurais encontraram para chamar a atenção das autoridades sobre a disputa de terra na região norte do Estado e também homenagear a memória dos irmãos Alcemar de Souza, 41 anos, e Anderson de Souza, 26, mortos por índios caingangues no município de Faxinalzinho. O duplo homicídio completou 30 dias ontem.
O caso está sendo investigado pela Delegacia da Polícia Federal de Passo Fundo. Cinco índios permanecem presos. Outros três suspeitos já foram identificados. A PF estima um prazo de 45 dias para conclusão do inquérito. Na semana passada, uma espingarda e um espeto, provavelmente usados nas mortes dos irmãos, foram encontrados distantes cerca de 100 metros do local do crime. As armas já foram encaminhadas à perícia.
As manifestações no quilômetro 248 iniciaram por volta das 10h. A rodovia foi bloqueada por tratores e o trânsito liberado em intervalos de 10 minutos. Organizada pela Comissão de Agricultores de Ciríaco, o protesto chegou a reunir cerca de 1 mil pessoas, incluindo prefeitos, vereadores e lideranças sindicais de toda a região.
Durante o ato, no início da tarde, o deputado estadual Gilberto Capoani (PMDB) voltou a criticar a falta de isenção nos laudos antropológicos realizados pela Funai e disse que a Constituição Federal é claríssima no que diz respeito às demarcações de terras indígenas a partir de 1988. Já o ex-prefeito do município de Marau, Vilmar Zanchin, afirmou que a situação só não foi resolvida ‘por falta de vontade dos governantes’. “É só cumprir a lei. Se uma escritura, um documento, não tem valor, ninguém mais tem poder sob sua propriedade” declarou.
O objetivo dos moradores de Ciríaco é evitar o início dos estudos para futuras demarcações de uma área estimada em 9,7 mil hectares, o que atingiria 250 famílias, responsáveis por 70% da arrecadação do município. “Não tem negociação nas nossas áreas. Ninguém está disposto a sair daqui” declarou Joldério Moresco, integrante da Comissão de Agricultores de Ciríaco.
Inusitado
Há 25 anos no ofício, o padre Valcir Rizzardi disse que a decisão inusitada da comunidade em rezar a missa sob a rodovia é a maneira de manter viva a memória dos dois agricultores mortos em Faxinalzinho. O religioso defende a permanência dos agricultores nas propriedades e disse que a resolução da disputa agrária deve ocorrer de maneira pacífica e ágil. “Precisamos evitar sofrimentos para ambos os lados. Esta demora só acirra os ânimos” observou.
Logo após o ato, os moradores iniciaram a montagem do altar sobre o asfalto. Os bancos da igreja existente no local também foram enfileirados sobre a pista. “Nunca vi algo assim, mas se for para manter nossas terras, vale a pena” disse um agricultor. Durante a missa, o padre Rizzardi lembrou por várias vezes o episódio de Faxinalzinho e questionou a indefinição dos governantes sobre a questão. Ao final, duas pombas simbolizando a paz foram soltas. As homenagens pelo primeiro mês dos dois agricultores encerraram às 17h, com um toque simultâneo dos sinos em toda a região norte do Estado.