OPINIÃO

A saga de um cientista ?EURoesangue azul?EUR? (final)

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As audiências públicas (12 de abril de 1988, 4 e 9 de maio de 1989, e 14 de maio de 1990) promovidas por John D. Dingell, representante dos Democratas por Michigan no Congresso dos EUA, para apurar a denúncia de fraude científica em artigo publicado por Weaver et al. na revista Cell, edição de 25 de abril de 1986 (Cell 45 (2): 247-59), mais que esclarecimentos e solução do problema, trouxeram a exacerbação dos ânimos entre os envolvidos, especialmente com o vazamento dos debates para além dos muros da instituições originalmente interessadas na questão (O MIT e a Universidade Tufts).

Ainda que o artigo denunciado levasse a assinatura de seis autores (David Weaver, Moema H. Reis, Christopher Albanese, Frank Costantini, David Baltimore e Thereza Imanishi-Kari), sobressaíram-se três nomes nessa disputa. De um lado, Margot O´Toole, a bolsista de pós-doutorado denunciante, Thereza Imanishi-Kari, a pesquisadora denunciada, e David Baltimore, o mais renomado entre os autores do artigo. Baltimore, defensor incansável da integridade dos dados e da robustez das conclusões, por entender que as audiências investigativas promovidas por John Dingell eram uma intromissão indevida em assuntos estritos aos cientistas, rechaçando com veemência as denúncias de Margot O´Toole e as audiências de Dingell, apelou para que a comunidade científica se pronunciasse. E ao fazer isso, chamou para a discussão tanto os que lhe eram simpáticos, caso de Stephen Jay Gould, que em laudatório artigo no The New York Times (30 de julho de 1989), desancou em crítica as audiências Dingell por não diferenciarem entre erro ou discordância de interpretação de dados e fraude, quanto os desafetos e os invejosos, que um cientista detentor de um Nobel e dirigente de instituições científicas de escol (MIT, Universidade Rockefeller e Caltech), caso de David Baltimore, invariavelmente atrai.

John Dingell reagiu à crítica da comunidade científica que o Congresso dos EUA estava se alvoroçando em legislar contra “erros” e não contra “fraudes”, dificultando e burocratizando sobremaneira a vida dos cientistas, ao dar guarida a esse tipo de denúncia. A consequência seria a inação nos laboratórios, pelo temor da responsabilização civil e criminal. Dingell refutou as acusações como não mais que puro “nonsense”, pois o padrão de comportamento na ciência, que vem desde sempre, deveria continuar sendo a busca da verdade.
O ambiente acalorado piorou com a intervenção do Serviço Secreto dos EUA, solicitada por John Dingell, e a entrada no caso de Walter Stewart e Ned Feder, dois pesquisadores do National Institutes of Health (NIH), que ganharam certa notoriedade por trabalhos envolvendo a identificação de fraudes na ciência. Stewart e Feder, com base nas 17 páginas dos registros experimentais que foram copiadas e denunciadas por Margot O´Toole, escreveram um trabalho que, em vão, tentaram publicar na própria Cell, na Science e na Nature. David Baltimore questionou a responsabilidade e a legitimidade de Stewart e Feder. O NIH também não autorizou a publicação. O Serviço Secreto dos EUA encontrou indícios de falsificação de datas nos registros de Imanishi-Kari, e David Baltimore, por fim, cedeu e aceitou a retratação do artigo da Cell.

Enfim, como soí acontecer nesse tipo de querela, só houve perdedores. Margot O´Toole teve dificuldade para encontrar um novo emprego, pois ninguém quer uma pessoa “causa-problemas” por perto, e Thereza Imanishi-Kari, em 1994, seria considerada culpada por falsificação e fabricação de dados. David Baltimore, por pressão dos pares, em meio à repercussão das audiências Dingell, teve que renunciar à presidência da Universidade Rockefeller. Mas, a grande reviravolta deu-se em 1996, quando a apelação feita pela defesa de Imanishi-Kari foi acolhida e ela inocentada. O pecado de David Baltimore, segundo alguns, foi o excesso de confiança nas suas credenciais de cientista, que o levou a exercitar a soberba ao extremo, rejeitando a priori a denúncia de Margot O´Toole.

As consequências de denúncias de conduta inadequada na ciência, quer sejam verdadeiras ou falsas (majoritariamente motivadas por inveja e competição entre os pares), não são inócuas. Não raro, enquanto corre o tempo de apuração, carreiras cientificas, até então promissoras, podem ser destruídas.

 

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