Stephen Jay Gould (1941-2002), o laureado paleontologista e curador da coleção de invertebrados do Museu de Zoologia Comparada da Universidade Harvard, em um dos tantos monumentais ensaios de popularização da ciência que escreveu (Quatro metáforas em três gerações), destacou que, quando da sua primeira viagem à Grécia, sentiu-se extasiado diante do que supôs ser a terra da celebração ao vocabulário básico usado pela comunidade científica.
Disse, valendo-se da sua fina ironia judaica, que, ao ver pelas ruas de Atenas, tantas pessoas paradas diante de placas com a palavra “estase” (stasis) imaginou que a Grécia inteira resolvera prestar um tributo à teoria do equilíbrio pontuado (ou equilíbrio interrompido), que está embasada no que ele e Niles Eldrege chamaram de “estase”, em referência à falta de mudanças substanciais durante a história geológica da maioria das espécies. Depois, ao ver que, um após o outro, veículos retangulares cheios e gente estacionavam diante dessas placas e logo em seguida partiam, entendeu que elas indicavam apenas os pontos de parada de ônibus. Fica evidente que usar “estase” no lugar de “estabilidade” é mais elegante no vocabulário científico.
Também, frisou Stephen Jay Gould, despertou-lhe a curiosidade entender por que os terminais domésticos dos aeroportos gregos são denominados de “esoteriki”. Afinal, as coisas esotéricas são em geral estranhas e obscuras, prestando-se, a primeira vista, nesse caso, mais para indicar os pontos de entrada de passageiros estrangeiros no terminal internacional, que propriamente para uso em âmbito interno. Mas, por outro lado, admitindo-se que esotérico passou a significar obscuro porque a palavra acabou sendo usada para designar informações transmitidas apenas aos membros iniciados de um circulo restrito, cujos conteúdos eram ininteligíveis para os demais, a perspectiva muda radicalmente. Ou seja, tomando-se “eso” com o significado de “para dentro” ou “interior” em grego, faz sentido chamar de “esoterik” os terminais de aeroportos que são restritos aos voos domésticos. Os gregos sabiam o que estavam fazendo.
Entre as figuras de linguagem usadas pela comunidade científica, destacam-se as metáforas. E nesse particular foi um caminhão de mudanças, com a inscrição “metaphora” nas laterais, que suscitou a reflexão de Stephen Jay Gould sobre essa expressão.
Etimologicamente, “phor” é o verbo transportar e “meta” um prefixo que significa “mudança de lugar, ordem, condição ou natureza”. Sem dúvida, um caminhão de mudanças, que nos ajuda a transportar algo de um lugar para outro, mudando a ordem das coisas, é uma metáfora. Na verdade, na Grécia, todos os tipos de veículos são metáforas, inclusive os carrinhos usados para transporte de bagagens nos aeroportos ou compras em supermercados. Uma metáfora, como figura de linguagem, transporta-nos de um objeto ou assunto, que pode ser de difícil entendimento, para outro mais acessível, que permite, por analogia, uma compreensão mais fácil da relação original.
Em biologia abundam metáforas. Algumas facilmente perceptíveis e outras nem tanto. São exemplos: a Autopoiese, de Maturana e Varela, a Teoria de Gaia, de James Lovelock, e a Hipótese da Rainha Vermelha, de Leigh van Valen.
Há que se ter certa parcimônia no uso de metáforas na ciência. O excesso e a banalização, em vez de ajudar na compreensão, podem dar ares de ficção em coisas que deveriam ser tomadas como verdadeiras e reais. Nesse sentido, Charles Darwin é exemplo de bom uso comedido de metáforas, ainda que sejam presenças marcantes na sua obra magna, “A origem das espécies”, de 1859.
Darwin escreveu “A origem das espécies” como uma obra de caráter geral, para um público abrangente, e não como um tratado técnico para cientistas. O livro de Darwin, especialmente pelo fato de o tempo geológico não ser passível de uso na experimentação direta, é um longo discurso retórico de persuasão pela teoria da seleção natural, dedicado a refutar as objeções e a defender as evidências da evolução. O argumento central de Darwin baseia-se em analogias, não em evidências diretas. Charles Darwin empregou todos os recursos literários ao seu dispor, incluindo belas metáforas, para levar adiante seu único propósito: produzir “um longo argumento” em prol da evolução; como bem destacou Stephen Jay Gould.