A Mona Lisa deve, possivelmente, ao seu sorriso enigmático toda a fama que possui. Além, é claro, de ser uma das poucas pinturas do mestre da Renascença, Leonardo da Vinci. Uma pausa para divagações do autor: imagine que, naquele começo do século 16, Leonardo da Vinci tenha comentado, casualmente, com outros artistas contemporâneos seus que iria pintar aquela figura de mulher - indicando inclusive a identidade da modelo ou do modelo, já que até hoje persiste a discussão sobre se a figura na verdade é um homem ou uma mulher- e que daria destaque ao sorriso). Indo um pouco além, Leonardo diria na roda de pintores amigos que usaria a técnica da pintura a óleo, conhecida como sfumato, para criar os sombreados sutis que caracterizam a atmosfera do seu quadro. Diante desse fato, você seria capaz de imaginar que algum desses pintores, valendo-se das idéias de Leonardo, pudesse ter pintado a Mona Lisa antes dele? Responda rápido: sim ou não, e por quê?
Deixa pra lá, eu mesmo respondo: não. Indubitavelmente, não. Vale o mesmo para um poeta que comente entre pares que está prestes a criar uma obra-prima, sob inspiração da nostalgia que os bem-aventurados sentem no Céu, quando pensam na Terra (um tema recorrente em muitas obras, quando o assunto é a imortalidade), por exemplo. Mesmo que os outros poetas gostem da idéia e saiam por aí tecendo poemas sobre esse tema, nenhum será igual a outro. Estamos falando em arte. E na arte sobressai-se a individualidade na criação. O coletivo é secundário para o artista, e sua originalidade, quase sempre, é única. Na ciência é o contrário: duas pessoas, partindo dos mesmos fatos, podem chegar a conclusões idênticas. E daí decorre as muitas querelas científicas de insinuações de plágio e de reivindicações de originalidade de idéias.
Mesmo que não se ignore a possibilidade de existência de genialidade científica, a individualidade na ciência é relegada a um papel secundário. A construção é coletiva. O conhecimento científico exige complementaridade e evolui com o tempo. A dimensão cronológica desempenha um papel fundamental. Não é por nada que há civilizações da antiguidade com um desenvolvimento artístico elevado até para os padrões de hoje (vide egípcios e babilônios) e, quanto ao conhecimento cientifico, não carece traçar qualquer paralelo. Quantos pintores dos nossos dias têm uma obra como a Mona Lisa? Leonardo da Vinci também era um homem de ciência. Agora, compare o nível de conhecimento científico dele com... com o seu mesmo. Por favor, não faça isso com o pobre Leonardo. Ele não merece tal comparação (embora ele tenha pensado em coisas que só se concretizariam muitos anos depois). As descobertas científicas de hoje, por consequência, eram impensáveis em épocas passadas. Em Biologia, nem precisamos retroceder muito. Estão aí para demonstrar todos os avanços que se sobressaíram após a descoberta da estrutura do DNA, em 1953.
Na ciência, as descobertas são decorrentes de um processo de aprendizagem que está embasado no conhecimento precedente. O desenvolvimento científico e tecnológico costuma seguir o seu curso de forma relativamente independente dos indivíduos. As grandes descobertas (as mais importantes) acabam sendo feitas, guardadas as devidas proporções, por aqueles que trabalham com melhores condições (inclua-se tudo) e/ou quando, algumas vezes, o acaso conduz para o caminho certo. Por ser decorrência de um processo construído coletivamente e dependente de evolução com o tempo é que, não raro, quase simultaneamente, as mesmas ideias (ou parecidas) surgem na cabeça de muitos cientistas, sem que, necessariamente, um tenha copiado o outro.
Não existe o gênio científico isolado (figura da literatura) e muito menos o mito do menino prodígio em ciência (contradição em si mesma). O cientista tem que compartilhar para evoluir. Congressos científicos, reuniões técnicas, publicações especializadas, etc., não existem por outra razão. Quem não divulga por temor que outros usem o seu conhecimento para evoluir a ciência ou para criar novas tecnologias, não faz outra coisa que sintetizar a contradição que envolve a pesquisa de interesse público e o pesquisador de interesse próprio. E, desses últimos, a ciência prescinde facilmente.