Emiliano, 67 anos, empresário conceituado e próspero faz, às vezes, troças nas inúmeras palestras motivacionais a que é contratado. Conta que levanta cedo, junta gravetos, faz fogo no fogão à lenha, busca água no poço, o mesmo em que mergulha melancias para a sobremesa nos meses de verão. O banho é daqueles que as grandes latas de tinta multiperfuradas são carregadas de água morna ou não e levantadas por um sistema de roldana e chuá. Xampu ? somente para suas irmãs e aos sábados. Pela manhã, com um saco de roupas sujas à cabeça desce com sua mãe para as pedras e sanga. Ali, com outras mulheres, sua mãe, tagarelando, controla com precisão onde estão seus pequenos filhos.
Pura troça, nada mais do que isso. O descrito pertence à vida do início dos anos 50-60. Os ouvintes de suas palestras riem, alguns saudosos, outros descrentes.
Emiliano estudou e prosperou com esforço e denodo. Copiou fielmente as orientações de seu pai e tenta passar a seus filhos e netos o mesmo verniz profissional e pessoal a que foi ungido.
Agora não, não há mais banho frio, nem sanga ou poço artesiano para esfriar melancia. Aliás, de seu cardápio amplamente variado a melancia nem faz parte principalmente depois que ouviu de outro empresário que melancia é comida de porco. Agora, sua vida é de conforto e tecnologia. TV gigante de plasma ou LED, nem sabe. Celular que liga TV e flit, que paga contas, que manda recados e fotos, o escambau. Carro com 25 airbags, com câmara de ré, com GPS, o escambau. Casa gigante, três empregados, um somente para lavar seus carros, geladeira eletrônica para seus vinhos caros, piscina, sala de ginástica. Computador com mais de 30 mil fotos das dezenas de viagens pelo mundo.
Todos dizem, todos dizem que Emiliano é sinônimo de qualidade de vida. Emiliano, ao visitar seus irmãos que não tiveram a mesma desenvoltura profissional, leva dinheiro enrustido, escondido de sua mulher, para presentear seus irmãos. Não entende, no entanto, porque não aceitam. Dizem que nada precisam, que têm tudo o que necessitam a despeito do desnível econômico que os separam. Às vezes pensa e se arrepende: pobre nasceu para ser pobre.
Emiliano, empresário de sucesso, percebe estar com insônia, cansado e com diminuição da libido. Leu, em algum lugar, que pode ser andropausa ou excesso dos encorpados vinhos das noites. Emiliano busca os netos no inglês, judô, balé, tal qual fazia com seus filhos. Todos dizem que Emiliano tem qualidade de vida.
Consulta sua lotada agenda de compromissos, sorve mais uma taça do carbenet e olha em volta. Seu saxofone abandonado, seus vinis esquecidos, suas caminhadas vilipendiadas. Percebe que tem qualidade de vida, mas não tem vida de qualidade. Vai procurar um psiquiatra, resolve. Será na segunda-feira. Antes, porém, retira seus discos e separa alguns que marcaram sua existência, sem saber porquê. Lá está o velho Geraldo Vandré – vem, vamos embora que esperar não é fazer/quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Não, não é preciso psiquiatra para saber o que está errado. Não tem vida de qualidade tal qual seus irmãos. Acordou, vai fazer acontecer, vai retomar, vai aprender com seus irmãos como é possível ser mais com menos. Viva Vandré, viva Emiliano.