...meu canto é triste desde que ela foi embora/pois, até minha viola chora de saudade dela. O cancioneiro nunca erra, pois canta com o coração, com o sentimento dos comuns, com a alma sofredora da paixão que não confirmou ou que pouco durou. Ou, ainda, canta pelo que entendeu ser paixão e não fluiu.
Ali, em Montparnasse, no Deux Magots, onde o surrealismo emergiu, vejo ainda Salvador Dalì e Hemingway em 1926 quando este conseguia descolar uma grana para frequentar tal lugar. Junto, com consagrados como Scott Fitzgerald, nunca se preocuparam em agradar qualquer que fosse. Faziam a arte por fazer, sem pensar que o faziam era arte. Algo fluía e era tornado pintura, música ou escrito e percorria pelas errâncias de Paris e então ganhava o mundo, principalmente o mundo dos românticos e sonhadores.
Todos se foram, assim como Sartre e Beauvoir, Edith, Gertrude. E levaram ou trouxeram ao mundo a beleza que deveria ser lugar comum.
O artista de hoje, tal qual o de ontem, sobrevive porque sua arte, na maioria das vezes, teima em não ser reconhecida como tal.
Sempre imaginei ser um guitarrista liderando uma banda e sendo curtido freneticamente pelos ouvintes e assistentes. Nunca pensei ser um baterista-vocalista pela razão de que usar as mãos e pés simultaneamente e cantar me parece extremamente difícil. Dizem que não, que é tão fácil como caminhar mastigando chicletes. Pensei ser algo que conduzisse sonhos e emoções. Certo dia ouvi de Osvaldir que não aguentava mais cantar Adeus Mariana. Não é ruim cantar Adeus Mariana, mas não em todos os shows. O cantor-artista deveria cantar o que gosta de cantar e não ser submetido ao apelo comercial.
Assim fez Raimundo Fagner ao ser contemplado por sua gravadora para registrar no disco As Canções que Você Fez Para Mim cantar com seus amigos, mesmo de outras gravadoras, as músicas que gosta de cantar.
Por tudo isso, em 1995, fiquei muito feliz quando em Gramado, num singelo rodízio de feijoada num sábado qualquer percebi um cantor de minha idade, cabelos aos ombros, guitarrista, que cantava as canções dos anos 60-70. Mesmo alheio ao público que almoçava e não dava a mínima, ele exibia felicidade. É que estava sentada à primeira mesa uma garotinha fascinada pela arte de seu pai, o guitarrista, o cabeludo, o dinossauro dos anos passados. Nada perturbava o velho artista, não importava os demais porque havia alguém apaixonado pela arte que ela fazia. Mesmo que parecesse ser a única dos presentes a dar-lhe a devida atenção, o músico irradiava energia e felicidade e ele...cantava só pra ela.