OPINIÃO

Gestão da ignorância

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Ainda que a sociedade contemporânea seja rotulada de sociedade do conhecimento, no dia a dia, a maior parte do nosso tempo, quer sejamos o CEO de uma grande corporação ou apenas um cidadão comum lutando pela sobrevivência, é gasta na gestão da ignorância; a nossa própria ou a de terceiros. A clássica assertiva de Sir John Maddox, ao estabelecer que “a cada descoberta, pela ampliação do conhecimento, também são expandidas as fronteiras da nossa ignorância”, infelizmente, pelo que parece, até agora, não pode ser refutada.

A economia da ignorância, que se contrapõe à economia do conhecimento exatamente pelo custo causado pela falta de conhecimento, adquire relevância cada vez maior no mundo das organizações. A ideia de ignorância no caso em pauta diz respeito à falta de informação, à desinformação e à inabilidade em campos específicos do conhecimento (em qualquer área das ciências: agrárias; engenharias; biomédicas; sociais; jurídicas; etc.). O ignorante a que nos referimos é o sujeito desconhecedor, desinformado, alienado do mundo atual e das possíveis tendências, que revela falta de saber e imperícia para lidar com as coisas concretas ou executar funções que, supostamente, por ter cumprido programa de treinamento específico ou pelo grau de escolaridade que possui, são inimagináveis.

Lá se vão muitos anos desde que Peter Drucker, em seus instigantes livros e ensaios sobre gestão, esmiuçou o papel e vaticinou o futuro, no mundo coorporativo, das pessoas que trabalhavam mais com o cérebro do que com os músculos, que ele denominava de “trabalhadores do conhecimento”. Um novo tipo de profissional, cuja função básica não era física, exercida com o corpo, mas mental, que deixara de ser apenas mão de obra para atuar como pessoa e que não queria ser gerenciado, mas sim liderado. Não foi por nada que, nas empresas, muitos dos antigos setores de recursos humanos (SRHs) foram renomeados para Setores de Gestão de Pessoas (SGPs). A regra básica, que, infelizmente, poucos gestores atentam ou sabem colocar em prática, segundo Drucker, é possibilitar que os chamados trabalhadores do conhecimento façam aquilo para qual são remunerados. Simples assim: nada mais que sair do caminho (não atrapalhar); eliminar atividades desnecessárias que prejudicam o rendimento, tipo e-mails supérfluos (inclua-se Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagran, etc.), reuniões inúteis, relatórios e mais relatórios; e nomeações para grupos de trabalho/comitês/comissões sindicantes etc. destituídos de utilidade. Isso por um lado (o lado do trabalhador), pois, outrora, se o trabalhador do conhecimento era a exceção, hoje, ele virou a tônica nas organizações, não se podendo mais ignorar o outro lado (o lado do gestor), que comporta um desafio tão difícil quanto o primeiro, que é lidar com a ignorância do pretenso trabalhador do conhecimento.

Imagine um barco descendo rio abaixo. Você, eu e outros companheiros de viagem dentro dele. Há um mapa, que está nas mãos do comandante, indicando uma cachoeira ao estilo Cataratas do Iguaçu ou Niagara Falls nesse percurso. Mas, infelizmente, o comandante não sabe ler esse mapa e não tem discernimento pra buscar ajuda em quem sabe, ainda que esses estejam entre os passageiros. No máximo, apoia-se naqueles que sabem tanto quanto ele. Ou seja: muito pouco ou quase nada. A cachoeira, significando o desastre fatal e o nosso fim iminente, por mera obra do acaso, pode estar logo ali adiante ou a muitos quilômetros de distância. Como é comum acontecer, nesse tipo de caso, alguns passageiros denotam preocupação com a situação vivida e outros, por alienação, ignoram o mundo e tudo mais ao seu redor, inclusive o próprio risco que ora estão correndo. Mas há um grupo que, mesclando esperteza e ignorância, por gozar de benesses conferidas pela proximidade do comandante, tipo convites para jantares suntuosos na sua cabine exclusiva, tira proveito da situação e está adorando a viagem, independentemente de qualquer possível fim trágico anunciado.

Não são necessárias muitas luzes para transpor a situação fictícia para o mundo real e entender porque tantas empresas, quer seja na esfera pública ou na privada, comandas por “ignorantes” assessorados por “ignorantes”, repousam nos campos santos mundo afora ou apenas esperam pelo último dos sacramentos, a unção dos enfermos ou, na prática, a extrema unção.

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