O Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) completou neste mês 14 anos da realização de transplantes de fígado. Para a equipe de profissionais envolvida, a cada “sim” das famílias de doadores é o momento de salvar outra vida. Nestes 14 anos de caminhada, muitas dificuldades, desafios e alegrias. Segundo a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), durante esses anos foram realizados 216 transplantes de fígado.
O chefe da Equipe de Transplante Hepático do HSVP, o médico Paulo Reichert, conta que foram 10 anos de preparação para abrir o serviço, esperar pela liberação da credencial, treinar o pessoal, listar pacientes, organizar a estrutura hospitalar clínica, cirúrgica, de enfermagem e apoio. Estes anos foram de evolução. O cirurgião destaca que no hospital houve maior organização do processo de captação e transplantes através da implantação da CIHDOTT. “A parte de suporte foi profissionalizada, permitindo mais tempo para cuidarmos da parte médica”.
A experiência da equipe adquirida ao longo de 14 anos é um ponto forte do trabalho desenvolvido. “Nós temos a nossa experiência pessoal com 216 transplantes feitos”, evidenciou Reichert, ao salientar que o serviço trabalha de forma ininterrupta, sendo um dos poucos serviços do país a atuar desde a criação. “Nem só de alegrias vivemos nestes 14 anos. Tivemos perdas tristes, pois é um trabalho difícil. Estamos com a equipe bem estrutura, apesar de ter mudado bastante nos últimos anos”.
O cirurgião orgulha-se ao descrever que os transplantados abrangem vários municípios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e até de Rondônia. O transplantado mais antigo é Geomoci Ribeiro Vaz de Oliveira, 77 anos, de Passo Fundo. O transplante de Geomoci foi realizado no dia 14 de julho de 2000. “Ele está muito bem, com boa qualidade de vida. Lembro que ele disse que estava no fim da vida, e que hoje, ele está jogando a prorrogação da vida”, rememorou a analogia feita pelo paciente. Reichert também mencionou com alegria que uma das transplantadas está grávida. É a primeira transplantada que terá um filho. Segundo o cirurgião, a gestação está em andamento e ela está bem.
Quanto a realidade atual na área, Reichert informa que continuam listando pacientes para o transplante hepático. Em contrapartida, a equipe percebeu que há meses não há doação. “Observamos que os doadores estão mais velhos e mais obesos, caracterizando a sociedade atual. O problema das hepatites continua sendo o que mais nos leva a trabalhar. As hepatites B e C são as duas causas que determinam a indicação do transplante”. Hoje, de acordo com o cirurgião, há 30 pacientes que precisam de transplantes a curto e médio prazos. A Equipe de Transplante Hepático realiza de 15 a 20 transplantes por ano, no entanto, precisariam fazer entre 25 e 30 para atender esta demanda.
Em relação aos critérios para o transplante hepático, Reichert lembra que antes de 2006 era por ordem de chegada na fila única. Após este ano passou a valer o critério da gravidade. “O que significa que sempre transplantaremos os pacientes com as piores condições de saúde”. O especialista avalia que este critério não é perfeito, porque soma alguns critérios para chegar a gravidade que não contemplam todos os indivíduos que apresentam quadros graves.
Passo Fundo é a menor cidade que faz transplante hepático
Reichert destaca que Passo Fundo continua sendo a menor cidade do Brasil que faz transplante de fígado. “Nós nos tornamos um centro conhecido no país, na parte científica. Pela característica de estarmos em uma cidade menor, conhecemos os pacientes pelo nome, somos uma comunidade entre equipe de transplante, pacientes transplantados e seus familiares”.
No cenário nacional, 45 equipes atuam no país. Entretanto, o especialista afirma que continuam as disparidades. Há alguns anos, o nordeste se organizou de maneira forte. A cidade de Fortaleza hoje tem o centro de transplantes mais ativo do Brasil. Já o centro-oeste não realiza transplante de fígado.
Neste sentido, Reichert constata que há progresso na luta contra a hepatite C, visto que os remédios estão melhorando, o que diminuirá o número de transplantes. Outro alento é a vacinação contra a hepatite B, mas por outro lado, as doenças gordurosas do fígado, a obesidade e o álcool vão continuar crescendo nos próximos séculos.
Uma nova chance
O passo-fundense Eclair Alves, 58 anos, esposo, pai de dois filhos e avô de dois netos, teve uma segunda chance de vida após o transplante de fígado em que foi submetido no dia 8 de julho de 2014. Em recuperação no Hospital São Vicente de Paulo, ele já pensa que logo irá para casa, voltar ao convívio da família.
Há cerca de um ano e meio, a hepatite B que Eclair apresentava complicou e se transformou em um câncer no fígado. Felizmente, ele não sentiu a gravidade dos sintomas e já conseguiu fazer o transplante. “Nunca bebi, nem fumei, o que me ajudou a não sentir os sintomas complicados da doença. Só que se não fosse contemplado com o transplante, tudo iria piorar”.
Quando questionado sobre a importância da doação, as lágrimas caem no rosto de Eclair. Emocionado, ele agradeceu de coração a família que doou o fígado novo. “Que Deus abençoe esta família que demonstrou um lindo gesto de amor à vida. Jesus deu a vida por nós, então, nós podemos também ajudar outras pessoas a terem uma segunda chance de vida”.