Ariele, 18 anos, pele bonita, cabelos longos, elegante. Tudo é bonito nessa menina-gatinha, tudo poderia ser muito intenso. Em seu pescoço há uma cânula metálica de traqueostomia. Ariele olha permanentemente para o lado esquerdo de seu cérebro. A agitação faz com que esteja contida ao leito. O prontuário estampa que seu cérebro foi comprometido pelo acidente de trânsito acontecido no dia dos namorados.
João Carlos teve sua existência física abreviada por uma queda de altura em 2006 Num mural do hospital há uma foto tão bonita que estampa o sorriso do jovem estudante de medicina e o convite para a missa do oitavo ano de falecimento.Há outros jovens, tantos outros nestes 32 anos que milito no trauma que nunca encontrei realização nessa especialidade, pela simples razão de que se perde muitas vidas a despeito dos esforços de toda uma equipe multidisciplinar.
Lá na Casa de Oração André Luís falo no cotidiano e pela necessidade de se buscar o significado da travessia. Às vezes abordo o tema felicidade.
O que podemos associar à palavra felicidade? Talvez, o amor correspondido, sexo e paixão; talvez, o adequado encaminhamento dos filhos; talvez, a segurança financeira; talvez, viver em um lugar idílico; ou, então, ter saúde; ter o time permanentemente campeão, enfim.
Olho novamente para Ariele e percebo minhas limitações profissionais. Tento, talvez sem sucesso, conectar-me mentalmente com ela. Sinto amargura, sinto tristeza, sinto incapacidade. Olho para a foto de João Carlos e sinto saudade, mesmo que dele não tenha tido a graça da convivência.
Fico contente ao me dar conta que meus filhos escolheram fazer Engenharia Civil e Relações Internacionais . É porque provavelmente eles não viverão as conjecturas de quem habita o ambiente dos profissionais da área da saúde. Talvez, o bom da vida seja ficar longe dessas coisas todas.
Qual seria a palavra que mais se aproxima do conceito de felicidade? Se pudéssemos perguntar para Ariele o que a deixaria mais feliz talvez respondesse que seria voltar para casa e para sua vida. Talvez João Carlos dissesse o mesmo.
Perceba que compreendemos o que é felicidade quando perdemos alguma coisa. Se perdemos um casamento, um emprego, a condição da saúde então identificamos que habitávamos a felicidade sem mesmo percebê-la.
Eu penso que a palavra que mais se aproxima é o amor; amor pelo que se é, pelo que se faz, pelo dia-a-dia, por estar junto das pessoas que nos são gratas. Amor pelo comum, pelo trivial, pelos sorrisos, pelas tardes de sol ou chuva. Amor por caminhar livremente, pelo beijo na boca, pela piada pronta. Amor pelo cotidiano e desapego ao amor pelo inalcançável, pelo inatingível.