OPINIÃO

Menina de verde entre destroços cinzas

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São quatro fotos da meni­na de blusa verde. Na primeira, está agachada entre pedaços de escom­bros de concreto. Na segunda, ob­serva se não caem outras bombas. Na terceira, segura uma pilha de livros com a mão direita e recolhe um último com a mão esquerda. Na quarta, abraçada aos livros, corre para um lugar seguro.

Publicadas num site de um jornal italiano, as fotos foram com­partilhadas milhares de vezes nas redes. A garota palestina, na guer­ra da Faixa de Gaza, lembra o livro A Menina que Roubava Livros. Se parece a uma árvore no deserto. E seu abraço nos livros abraça tantas crianças mortas nessa guerra irracio­nal, quase eterna, entre dois deuses, Javé e Alá, que não se entendem.

A menina não procura ali­mentos, não recolhe roupas, não escolhe uma televisão, não resgata um animal. A menina, entre destro­ços, apenas salva histórias.

Sabe, a menina, que a paz pode estar escondida nas histórias dos livros? As religiões, embora preguem a paz, nem sempre dão o exemplo. Me arrisco a pensar se não haveria menos guerra com mais lite­ratura e menos fundamentalismo.

Os livros de histórias inven­tadas permitem muitos significados possíveis, diversas interpretações. E quando nos sentamos numa roda para ler um livro, sabemos que mui­tas versões são possíveis, que o mun­do imaginado permite diversidade e pluralidade. Nunca vi nenhum leitor matar o outro por causa de um jeito de entender um texto literário. Com relação a textos sagrados não posso dizer o mesmo.

Quando compartilhamos literatura, acabamos por ter uma segunda versão, uma terceira. No fim, descobrimos muitas versões possíveis contidas no mesmo texto. E, quando a ele retornamos, encon­tramos algo inédito. Essa plurali­dade de possibilidades de um texto literário, nos faz relativizar as ideias prontas, nos faz mais tolerantes e menos dogmáticos. Boa literatura é o melhor remédio contra fundamen­talismos.

Um livro ditado por Deus não permite interpretações. E cada um que lê, procura convencer o ou­tro do significado do ditado de Deus. Assim, cada um pretende dominar a verdade do outro com sua verdade, e o Deus de um precisa vencer o Deus do outro.

A menina de verde, salvan­do a imaginação no meio da guerra, instaura a esperança. Nos livros sal­vos entre ruínas, há possibilidades de mundo. Talvez, a paz. Os escritos mais sagrados da humanidade são os humanos mesmo. A menina de verde sabe que os maiores proble­mas do mundo são por falta de inter­pretar contextos, e que a literatura salva mais do que a religião. A meni­na de verde é mais sábia que rabinos e xeiques

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