Carteira de Trabalho, reivindicações trabalhistas nas pautas dos sindicatos, cartão do SUS. Direitos básicos do cidadão brasileiro, que podem parecer banais, entretanto são um avanço na vida de quem chegou ao Brasil em busca de uma chance de recomeçar. São pequenas coisas, mas que pouco a pouco vão transformando os imigrantes chegados de países como Senegal, Bangladesh e Haiti em cidadãos de direitos.
Para agilizar a conquista e consolidação desses direitos, entidades e pessoas do município se uniram no que foi intitulado Fórum de Mobilidade Humana, que se reúne quinzenalmente para tratar das questões dos imigrantes. Mais do que debates, os integrantes do Fórum buscam ações, como a instituição de um curso para ensinar a Língua Portuguesa e a agilização na emissão dos documentos para que possam conseguir emprego e alugar imóveis.
Além deles, outras iniciativas surgem no auxílio a estes grupos, como administradores de imobiliárias que facilitam a locação, minimizando algumas exigências, como a de fiadores. Ou como um advogado que realiza serviços com descontos generosos de 90% a 95% de seus honorários. Empresas também se alertam para a existência de uma nova mão de obra, passando a oferecer tradutores e sinalizar placas em idiomas como o inglês e o francês, para facilitar a locomoção dos estrangeiros nos seus locais de trabalho. Uma mudança de hábitos e paradigmas para ajudar a quem chega de outro país, fugindo da realidade penosa da miséria, guerra e perseguição política.
Ajuda nas questões jurídicas
Foi no ano de 2010 que o advogado Luiz Alfredo Gallas intercedeu em favor de um estrangeiro pela primeira vez. Na época, Mamour Badiane, atual líder do grupo de senegaleses que está morando em Passo Fundo, trabalhava como carpinteiro na empresa de um conhecido de Gallas e pediu que ele auxiliasse uma pessoa do grupo que estava presa em Uruguaiana, por determinação de um juiz da Bahia, acusado de um suposto uso de documentos falsos. Depois de um movimento que envolveu a Comissão de Direitos Humanos de Porto Alegre e a OAB de Uruguaiana, foi conseguido o alvará de soltura do senegalês. Começava assim a história de Gallas com o grupo de imigrantes.
“A partir daí, estavam em andamento os pedidos administrativos de permanência junto a Polícia Federal, os indeferimentos, e a necessidade de recursos. Estudei a matéria e passamos a atendê-los. Entre eles o fato foi se tornando de conhecimento da comunidade que adotou nosso escritório para atender seus interesses. Quer saber se cobro? Sim. Nada pode ser feito de graça. Porém, o desconto, na maioria das vezes é de 90 a 95% de um serviço normal. Hoje há demandas trabalhistas, por exemplo, que aplicamos a tabela da OAB, na maioria das vezes”, comenta o advogado.
Gallas em sua trajetória pessoal, foi militante de movimento estudantil e também atuou em movimentos comunitários e sindicais, o que lhe deu a noção da importância do trabalho para o coletivo. “A motivação para auxiliar os senegaleses é de cunho idealístico, de convicção que devemos trabalhar, ganhar dinheiro, sem perder o sentido do social, das questões humanitárias. E, no caso dos estrangeiros, a convivência, o intercâmbio só têm me feito muito bem emocionalmente. Aumentando a razão existencial, de utilidade, de ver o mundo como uma grande aldeia”, salienta.
Os motivos que levam os estrangeiros a procurarem o escritório dele já não são mais só questões de visto para permanência no país. Hoje eles são atendidos em questões trabalhistas, o que têm sido uma grande demanda de todos. Não só os senegaleses têm procuta ajuda neste sentido e o escritório atendeu também pessoas vindas de Bangladesh, Gana, Cabo Frio e Costa do Marfim. “A maioria das causas trabalhistas está relacionada com acidentes de trabalho. Eles têm dificuldade em entender o mecanismo de funcionamento nesses casos. A empresa, às vezes, tem uma assistência muito precária, outras não encaminha sequer o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)”, salienta o advogado.
Isso acontece porque em grande parte os imigrantes realizam atividades sem o devido treinamento. “Diante de uma oferta de trabalho ficam tão felizes que acabam trazendo para si um trabalho muito pesado, além da capacidade física, e acabam tendo lesões. O estrangeiro, nesta condição, em qualquer parte do mundo, no primeiro momento irá abraçar o que lhe for ofertado de trabalho, após, no convívio e na aprendizagem acaba impondo limites”, avalia Gallas.
Hoje, o trabalho prestado pelo escritório ultrapassou os limites geográficos de Passo Fundo, e o advogado está auxiliando também imigrantes que estão vivendo em Caxias do Sul, onde está um dos maiores grupos de estrangeiros, além de Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. “Muitos que me ligam e pedem auxílio não conheço, e nem sempre chego a conhecer. Às vezes recebo R$100 enrolados na palma da mão e transferidos em minha mão, com um muito obrigado que foi mandado por alguma destas pessoas desconhecidas, que não esqueceu de prestar seu agradecimento por algo feito, que nem me lembro mais”, conta.