OPINIÃO

Paisagem em branco

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Em matéria de telenovela não perdia a oportunidade. Gostei muito de ter visto Gabriela, O Bem Amado, Rebu, Roque Santeiro, Tieta e a inesquecível Dancing Days. Com o passar dos anos esse gosto se perdeu, e vieram outros. Porém, sempre que posso, assisto a alguns capítulos, porque desde adolescente compreendi o impacto do poder televisivo no nosso modo de subjetivação. Talvez esse poder das novelas esteja se deslocando hoje para as séries, mas, seja como for, seu discurso ainda dita normas do que deve ser aceito e do que deve ser rejeitado em grande escala. 

E foi como expressão de um sintoma cultural que me chamou a atenção o primeiro casal televisivo gay feminino. Embora protagonizado por duas atrizes talentosas, não foi desta vez que Giovana Antonelli e Tainá Müller conseguiram emocionar contando a história de Clara e Marina, no mais recente trabalho de Manoel Carlos, Em família. Um dos ingredientes para a dupla não ter emplacado, na minha opinião, é que, ao mesmo tempo em que há uma abertura para um viés da nossa sexualidade, no caso a homossexualidade, há, imediatamente, a necessidade de pasteurizar a sua dimensão mais impactante, e com isso perde-se a força dramática da história.

E como nesse caso foi pasteurizado? Colocando-se lacinhos e fitinhas num amor que até nas Chiquititas seria mais caliente. Mas por que a necessidade de pasteurizar? Porque nós humanos somos assim. Um passo e meio para frente e um passo para trás. Apesar de uma camada protetora mais ou menos permeável estar nos abrigando, a matéria-prima de que são feitos nossos desejos é: desejo de incesto, bissexualismo e pedaços de corpos, ou coisas que nossa singularidade erotizou. Enfim, tudo que é mais transgressor nos excita na base, e por isso mesmo alguns transformam este afeto, o da excitação, em outra coisa: nojo, violência, etc.

Mas escrevi tudo isso para fazer um elogio à arte não asséptica do amor, da sexualidade naquilo que ela tem de mais transgressiva, sua própria virulência no ato de ser. Um cumprimento a quem sabe contar uma história de erotismo, paixão e dor, sem medo. Ali, em Azul é a cor mais quente, do diretor Abdellatif Kechiche, a sexualidade aparece com toda sua intensidade e virulência. É uma aula para os que não sabem e uma ótima lembrança para os que já esqueceram. Porque, para todos que gostam de sexo, casados ou não, heterossexuais ou não, homossexuais ou não, o desafio é o mesmo: como poder aproveitar a sexualidade ao longo dos dias.

 

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