OPINIÃO

Cartas

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Paulo de Tarso (Saulo) acompanhara, impassível, a execução do primeiro mártir da cristandade e seu nome era associado aquele que colocava cristãos na prisão. Um dia, numa viagem para Damasco percebeu uma imagem que lhe perguntou: o que tens contra mim, Paulo? A seguir ficou cego por três dias e somente recuperou a visão em razão da ajuda do cristão Ananias que recebera a ordem celestial de ajudar Saulo. A partir da conversão Paulo começou a viajar muito e a divulgar a palavra de Cristo e muitos estudiosos entendem que foi o grande marqueteiro do cristianismo. Paulo teria escrito muitas cartas, talvez treze. Algumas são muito impactantes como a de a de Igreja de Filipos (Macedônia) em que transborda alegria e entusiasmo. Também há a carta aos coríntios que é belíssima.

Gilberto Gil produziu uma música (2008) lindíssima e triste em que fala sobre a morte e sobre morrer. Diz: eu não tenho medo da morte porque ela virá naturalmente como desiderato de nossa efêmera travessia da existência; eu tenho medo é de morrer antes de a morte chegar. Como é que se morre antes da morte? Talvez seja quando abandonamos a tesão pelo dia-a-dia, quando abandonamos os objetivos traçados, quando nos atinge a insensibilidade, quando perdemos o brilho dos olhos, quando baqueia a cadência das artérias e o gosto pela vida.

Tenho tesão pela vida e pelo cotidiano. Mas, absolutamente desconheço quando será a travessia. Como diz , em tom jocoso, Luciano Backes: a viagem já está marcada, a passagem já foi comprada e nos aguardam com certa ansiedade. Como não sei e talvez nem queira saber gostaria, tal qual Paulo de Tarso, deixar assim, por precaução, algumas cartas. A primeira delas é aos que me brindaram nessa existência por laços de família.

Caros Renato, Binho, Regina, Poco e Caio, meus irmãos de sangue, o Criador não poderia ter sido mais generoso ao me contemplar com tão iluminadas pessoas para essa aventura chamada vida. Fizemos um bom papel seguindo todas as pequenas e grandes lições dos nossos humildes-grandes mentores, nossos pais. Nunca envergonhamos os velhos, pelo contrário, sempre fomos fonte de orgulhos principalmente quando nos encontrávamos, nós que moramos em cidades diferentes e em que esses luminares momentos eram recheados de gargalhadas e de cumplicidades. Sempre tive a nítida impressão de que ao ouvir e a conviver com meus irmãos a vida parecia infinitamente mais fácil e agradável. Nessa carta quero somente agradecer por tudo, até pelas pequenas desavenças tão peculiares entre pessoas que se amam e se respeitam.

Mas, tenho um peso e sobre ele quero me desculpar. Por essas escolhas da vida escolhi a Medicina e me afastei da convivência com vocês, já que moravam em Blumenau e eu em Passo Fundo. Isso me tirou o cotidiano, isso não me deixou vê-los crescer e nem acompanhar as aventuras de cada um. Gostaria de ter sido parceiro, de ter sido companheiro e ouvinte, de ter participado de decisões, de ter sido a possibilidade da mão amiga.

Quero dizer que quando a gente vai chegando aos sessenta anos percebe que pessoas iluminadas fazem muita falta. E particularmente sinto muita falta de conviver com vocês.
Só isso.

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