Benoit B. Mandelbrot (1924-2010), o homem que, conforme Chris Anderson (o curador do TED), pela criação da teoria da geometria dos fractais, mudou a nossa forma de ver o mundo, fez incursões pelos mais variados segmentos da atividade humana (matemática, física, computação, comunicação, economia, linguística e hidrologia). Em uma longa carreira profissional, na França e nos EUA, nesse último país especialmente na IBM (1958-1993) e na Universidade Yale, deixou contribuições relevantes, umas mais e outras menos conhecidas, sobre aplicações da matemática voltadas à solução de questões afetas ao dia a dia das pessoas, como é o caso do entendimento da flutuação de preços no mercado de ações e da gestão de recursos hídricos; por exemplo.
Em artigo, hoje clássico, publicado na revista Water Resources Research (v.4, n.5, p.909-918, 1968) – Noah, Joseph, and Operational Hidrology –, Benoit B. Mandelbrot e James R. Wallis (colegas de trabalho na IBM) apresentaram a base estatística teórica para a modelagem hidrológica que, em uma série de estudos posteriores, seria aplicada aos dados fluviométricos de alguns dos grandes ridos do mundo, como foi o caso do Nilo no Egito.
Valendo-se de passagens bem conhecidas da Bíblia, como a história do Dilúvio, Gênesis 7, 11-12 (...e se abriram as cataratas do céu. E caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites), e os sonhos do Faraó explicados por José, Gênesis, 41, 29-30 (..virão, primeiramente, sete anos duma fertilidade extraordinária em todo o Egito: aos quais seguir-se-ão outros setes duma tão grande esterilidade, ... que fará esquecer toda a abundância passada: porque a fome consumirá toda a terra), Mandelbrot e Wallis, no artigo supra citado, pela identificação de padrões recorrentes nos dados fluviométricos, cunharam, em hidrologia, as expressões “Efeito Noé” e “Efeito José”.
Por Efeito Noé, Mandelbrot e Wallis designaram aquele tipo de situação que quando há registro de chuvas extremas, essas chuvas, em geral, são muito extremas. E, no caso do Efeito José, tipicamente, a ocorrência de períodos de alta ou baixa precipitação pluvial (quantidade chuva), porém sendo esses lapsos de tempo extremamente longos. Em climatologia/hidrologia, o Efeito Noé descreve a “descontinuidade” e o Efeito José a “persistência” das caraterísticas do regime hídrico em uma dada região (quantidade de chuva e tempo de permanência da situação).
Em 2014, com o agravamento da situação e o risco para o abastecimento de água para usos urbano, agrícola e industrial na Região Sudeste, especialmente pela crise no sistema Cantareira em São Paulo (Bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí), as expressões Efeito José e Efeito Noé podem ser encontradas com certa facilidade nos veículos de comunicação, a partir de palestras e entrevistas do professor Antonio Carlos Zuffo, da Faculdade Engenharia Civil da Unicamp. O professor Zuffo tem destacado um período de 35 anos (1935-1970) de severas estiagens nas bacias dos principais rios do sistema Canteira, seguido por elevação das chuvas anuais (até 2011).
São os efeitos José e Noé, conforme bem realçado professor Zuffo em palestra proferida em Campinas no dia 17 de julho de 2014, que apontam para a necessidade de uma melhor gestão de recursos hídricos, envolvendo: tecnologia (processos e equipamentos mais eficientes); captação e tratamento de água de chuva; reuso de água; negociação com demais usuários, principalmente com os agricultores; informação para conscientização da população; investimento em redução de perdas – sistema público; substituição de equipamentos hidrossanitários nas residências; sistemas separados de água potável x água de reuso; tratamento de efluentes – para aumentar a disponibilidade hídrica por qualidade; e distritos industriais para dividir custos e ganhar sinergias.
A Bíblia, pelo visto, quer seja como fonte de revelação para os crentes ou como base de inspiração para os cientistas criarem as suas metáforas, continua sendo um livro fantástico.