OPINIÃO

O fim da certeza absoluta

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Aristóteles (ajudado pela teologia cristã) foi senhor absoluto do pensamento ocidental durante quase dois mil anos após a sua morte. Veio o Renascimento e a revolução científica desencadeada por Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton deixou para trás a visão medieval de mundo e pôs por terra o pensamento aristotélico. Começava a ganhar forma (e força também) uma visão mecanicista do mundo, especialmente a partir do pensamento de René Descartes e da física clássica de Isaac Newton, que, independente de todos os avanços no conhecimento dos últimos cinco séculos (desde o século 16), ainda perdura (com virtudes e defeitos) até os dias atuais.

René Descartes (Renatus Cartesius, na forma latinizada), 1596 -1650, foi o responsável pelo rompimento definitivo com a escolástica medieval. A sua busca por distinguir o verdadeiro do falso, com base na certeza das leis matemáticas, a partir da decomposição de um problema em suas partes mínimas, e consubstanciado na filosofia do “penso, logo existo” (cogito, ergo sum), deu origem à concepção cartesiana de um universo mecanicista, que influenciou decisivamente a obra de Isaac Newton (1643-1726) e, de resto, toda a física clássica (na qual se sobressai a mecânica newtoniana).

Nos últimos 150 anos, novas teoria e algumas grandes descobertas revolucionaram o pensamento científico. Ainda na segunda metade do século 19, o mundo viu surgir a teoria da evolução (Darwin), descobriu-se as leis da hereditariedade (Mendel), formulou-se a teoria das células (Rudolf Virchow), começou a moderna embriologia e houve a ascensão da microbiologia (Pasteur, “germes” e doenças), além das leis da termodinâmica. No começo do século 20, a física quântica e suas interconexões veio para abalar de vez os alicerces da física clássica, disseminando, por contágio, seus princípios para a mais diversas áreas do conhecimento. E, não obstante, os avanços na psicologia, o surgimento da ecologia e da teoria geral dos sistemas, Descartes e Newton ainda fazem valer a sua força no agir e pensar de muitos cientistas (e no comportamento das pessoas no dia-a-dia) neste começo de século 21.

A grande crítica ao pensamento de Descartes (pensamento analítico) é que o comportamento do todo não pode ser compreendido somente a partir das propriedades das partes. Surgiu, para fazer frente à visão cartesiana de mundo, o enfoque sistêmico. Nele as propriedades essenciais do todo, de fato, surgem das relações entre as partes. Onde a compreensão de qualquer fenômeno exige a sua contextualização em um todo mais amplo. O que significa dizer que o todo tem certas qualidades e propriedades que não aparecem nas partes quando elas se encontram separadas. E isso se aplica tanto para sistemas físicos quanto para sociais. Não obstante, compete dizer que o pensamento analítico não está morto (e que deixou grandes contribuições também), embora não seja suficiente para o entendimento maior da complexidade dos fenômenos naturais e sociais do mundo de hoje. Pois, é preciso separar, mas também é necessário juntar.

A visão mecanicista de mundo separa o objeto conhecido do sujeito conhecedor. Isso, muitas vezes, impede a percepção do novo, dificultando avanços no conhecimento. No seu rastro surgiram as disciplinas científicas e as hiper-especializações, que, sem a percepção dos próprios atores, em certos casos, transformam os especialistas em idiotas culturais, incapazes de terem idéias gerais e pensarem os problemas globalmente. Não é fácil, para alguém dotado de um forte espírito corporativo disciplinar, aceitar que as grandes descobertas e novas teorias se dão em domínios intermediários. A visão sistêmica veio para pôr um fim ao valor dado pelos mecanicistas de verdade quase absoluta à indução e de verdade absoluta à dedução. Certeza absoluta só Deus.

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