Certa vez apliquei um exercício para alguns alunos onde havia, numa folha em branco, apenas quatro traços desconectados, mas que sugeriam um quadrado.
Deixei-os livres para dar sequencia ao que quisessem a partir dos traços, então vi que um primeiro aluno fechou os cantos transformando num quadrado e por fim num auto retrato, esse auto retrato expressava um lado feliz e outro que chorava e quando perguntei a ele sobre o desenho; falou-me das tristezas e alegrias da vida dele.
Ora, estava na frente de um taoista em potencial não é interessante? Essa visão das díades do yin e yang que aponta o masculino e feminino e tudo o que se antagoniza e ao mesmo tempo se complementa. Um não existe sem o outro e só podem ser “uno” através do processo de unificação que é a mistura equilibrada das duas nuances, e isso faz-me pensar nos excessos que geram o caos. Exemplo: O mal ao extremo gera caos e do caos à depuração que aponta-nos o caminho do bem que ao extremo gera a oportunidade do mal instalar-se e que, para haver o equilíbrio, novamente bate à porta a teoria do caos, a isso dá-se o nome de ciclo de Sansara, até aprendermos a encontrar o harmonioso através do caminho do meio.
Outro, fechou também os quatro cantos e produziu mais traços fazendo do quadrado uma janela com grades e ao perguntar-lhe sobre o desenho falou-me do seu sentimento de prisão.
Vivemos em uma prisão onde apenas mudamos as cores de suas paredes, acrescentamos um pouco de conforto, um pouco de beleza, um pouco de cultura que só vira sabedoria quando aplicamos. Aprendemos mais quando vemos que teorias nem sempre dão certo.
Discorremos sobre a prisão da mente que por conveniência se mantém fechada numa soberba fachada que esconde o medo, na prisão do espírito que nunca está onde deveria pois a mente guia também o espírito e onde estiver a sua mente ali estará o seu coração, aí está um segredo da existência plena, o estar aqui, no agora e não no ontem e nem no depois, apenas aqui, desapegados de qualquer necessidade, seja do corpo, seja da alma...difícil mas não impossível..
Mas outro chamou-me a atenção, uma aluna à partir dos mesmos traços produziu uma janela muito enfeitada, com belíssimas cortinas com moldura bem acabada, com vidros longos e amplos, esta era a janela de uma sala chiquérrima com lustre de ouro, com poltronas de um veludo azul Royal lindo, pois era a preferência da menina, todo o conforto imaginável, com detalhes riquíssimos em seu desenho, mas além da janela uma perspectiva fantástica de um imenso jardim, com um belíssimo céu azul com pássaros numa planície de flores azul marinho com borboletas de muitas cores, um rio lindo e um por de sol laranja radiante maravilhoso...
Quando perguntei sobre o significado do seu desenho ela disse, tenho tudo isso que está na sala, ela representa minha vida, um amontoado de coisas materiais, que me prendem a necessidade de ter mais e mais, um mundo frio de coisas que não repiram, que não pulsam e que são como uma casca que se sobrepõe à minha existência, pois me enxergam pelo que tenho e não pelo que sou. Então lembrei-me das pessoas carentes, mas não falo de pessoas pobres, falo de ricos carentes... Pessoas que tudo o que gostariam é de poder criar seus filhos brincando numa rua sem perigo, sem medo, assim como nós nos criamos, falo por mim e por todos aqueles que puderam correr na chuva fria nas tardes de verão, tomaram banho na poça d’água da chuva na calçada, banho de tanque, brincaram na rua à noite sem medo de ser atropelados ou assaltados quando polícia e ladrão eram nós mesmos, de sentir o cheiro das flores de laranjeira, de brincar de esconde-esconde na vizinhança numa época que todo mundo ajudava a cuidar todo mundo...e andávamos de mãos dadas na saída da escola onde aprendíamos que respeito e estudo andavam juntos e que professores eram especiais e tão importantes como nossos pais eram para nós.
Este é mundo que sempre enxerguei da minha janela, acredite, ele ainda existe.
Paz e luz!!!!