À Janela
O rei Roberto compôs mais de 700 músicas e certamente mais de 500 fizeram grande sucesso, de forma que, poderia tranquilamente tocar 40 shows sem repetir nenhuma delas e teria absoluto sussexo. O rei o é pela empatia, profissionalismo, técnica, pela busca incessante da perfeição e pelo respeito e fidelização aos fãs. De tudo o que fez, com parcerias ou não, destaco, entre tantas, À Janela, 1972 (da janela o horizonte, a liberdade de uma estrada eu posso ver...) gravada nos states. E é onde me encontro agora, na janela do meu apartamento, no quarto andar. Alguém referiu que devíamos habitar no máximo até o quarto andar porque dali é possível ouvir os transeuntes, os ruídos da cidade sem estar demasiadamente distantes.
Vejo daqui, olha só, aquele senhor setentão, de óculos de aros largos, com camisa de botão e de mangas curtas, com relógio de pulseira frouxa, de raros cabelos acondicionados em gel, trim ou glostora. Lembra os amigos de meu pai. Também, vejo daqui aquela menina com a pasta da medicina e me dá vontade de descer e oferecer ajuda, nem que seja para bater papo porque me lembra minha filha em São Paulo, recebendo o massacre que a majestosa metrópole dá a todos nós.
Olho, desse 4o andar, o que resta da enfermaria do quartel do exército e lembro que ali nasceu, em 1932, minha mãe Neca e vejo meu pai, Jorge, caminhando uniformizado de sargento. Vai fazer 5 anos que nos separamos fisicamente, mas permanecem como meus mentores, absolutamente iluminados. Também vejo os irmãos Ruschell, Eduardo Azambuja e meus amigos de caserna a quem devo tanto.
Olho agora para o céu e vejo a beleza das estrelas e lembro a mocidade e a melancolia dos meus pensamentos enquanto sonhava com o primeiro amor. Lembrei, rapidamente de Mário Lago, declamando Clarice ou Caio Fernando de Abreu no Almoço com as Estrelas, há mais de 4 décadas – estive doente, não posso escrever, hoje só quero um punhado de estrelas maduras, quero a doçura do verbo viver.... Nessa ocasião, Mário trocou os versos para: não quero um punhado de estrelas vazias, só quero a alegria do verbo viver. Lindo igual, coisas de Mário Lago.
Fecho agora os olhos e vejo Caetano dizendo que as melhores coisas de nossas vidas são feitas com os olhos fechados: fazer amor, beijar, dormir e fazer orações.
Olhando para o céu, na infância eu buscava Deus, que diziam que morava lá em cima, entre as nuvens. Depois, percebi que lá em cima é longe demais, que embora até os jogadores de futebol apontem os dedos para o alto pedindo proteção divina, imaginei que Deus deveria morar em outro lugar. Hoje sei que o único lugar em que poderia habitar é dentro da gente e o percebemos claramente quando vocacionamos para promover felicidades, para acrescentar alegrias na vida dos companheiros dessa travessia.
Seria melhor dedicar mais tempo as nossas janelas, olhar estrelas, olhar as pessoas, fechar os olhos e assim, simplesmente, é possível que encontremos aconchego para o que nos dilacera, para o vazio que nos angustia ou entender o real sentido da existência.