OPINIÃO

Dispersos de MARIA PEQUENA

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São tantos os mistérios que envolvem a vida, a morte e o destino dado aos restos mortais de Maria Meireles Trindade – SANTINHA, MARIA PEQUENA ou MARIA DEGOLADA –, a nossa primeira santa popular, hoje esquecida ou ignorada pela maioria dos passo-fundenses, que essa ainda é uma história a ser mais bem contada. É por isso que, mil vezes, saúdo a iniciativa capitaneada por Miguel Guggiana e Tânia Du Bois de reunir em livro, de nome homólogo, os chamados Dispersos de MARIA PEQUENA, que lança novas luzes sobre esse episódio singular da história local.

O livro abre com a ilustração de Maria Pequena, beatificada e cheia de luz, que leva a assinatura do traço inconfundível de Leandro Dóro. A mesma que foi utilizada na capa. E segue com a apresentação de Tânia Du Bois, que, na abertura do primeiro parágrafo, diz tudo: “O livro, Dispersos de MARIA PEQUENA, é coletânea representada por vários autores com variadas versões, como um caminho de investigação que persegue o percurso da vida de Maria Meireles Trindade, vulgo Maria Pequena”. E segue com o prefácio de Marília Mattos, que recorda o seu tempo de infância e o quanto Maria Pequena, outrora, era reverenciada pelos passo-fundenses.

Gisele Zanotto, professora da UPF e pesquisadora da história das religiões e das religiosidades no Rio Grande do Sul, tratou das duas mortes de Maria Pequena. A primeira no sentido biológico, o cruel assassinato em 28 de novembro de 1894, no ambiente da guerra civil fraticida de 1893-1895, que ficou conhecida no RS como “revolução da degola” ou Revolução Federalista, e a segunda no sentido social, quando, em 1955, com a remoção do túmulo da venerada “Santa Popular” do Cemitério da Cruzinha, e a jamais cumprida promessa de construção de uma capela para abrigar seus restos mortais no Cemitério Vera Cruz, acabaria deixando seus devotos sem referencial e, com isso, decretando-se a segunda e derradeira morte de Maria Pequena.

Paulo Monteiro e Ney d`Avilla, os nossos historiadores locais por excelência, em textos seminais, recriam os tempos sangrentos vividos pelos passo-fundenses na Revolução Federalista, cujo epílogo é bem retratado pela morte de Maria Meireles Trindade. Recuperam fontes históricas primárias e memórias vividas por ambos sobre o culto a Maria de Pequena e a comoção que o mito da Maria Degolada causava no imaginário popular de Passo Fundo.

A obra contempla ainda, a peça ficcional de Hugo Lisboa, segundo a qual Maria Pequena teria sido uma espécie de espiã e amante de coronéis, em vez de mera vitima, que sintetiza a versão que circulava oralmente entre os moradores do centro de Passo Fundo, nos anos 1940/50. E segue com releituras dos acontecimentos por Miguel Guggiana e Carlos Higgie. Além de incluir: poemas de Gomercindo dos Reis, Júlio Perez, Miguel Guggiana, Carlos Job, Telmo Gosch, Vivi Maciel e Vanessa Pietrobelli; ilustração de Serafim Rodrigues de Magalhães; e história em quadrinhos por Leandro Dóro.

Quanto ao paradeiro dos restos mortais de MARIA PEQUENA, desalojados do Cemitério da Cruzinha em 1955, em função do novo Plano Diretor da cidade, editado em 1953, há indícios no livro The Brazilian Federalist Revolution Obituaries, edição especial e rara (disponível na “ala das ciências banidas” da biblioteca de Umberto Eco, em Milão; por exemplo), que diferentemente da versão de que teriam sido, por obra do padre Jacó Stein, depositados sob o antigo altar-mor da Catedral de Passo Fundo, hoje, repousam nos Arquivos Secretos do Vaticano, para onde foram levados por um construtor do templo a quem o padre Jacó havia confiado a tarefa; estando à espera do NIHIL OBSTAT para o segredo da sua morte e os seus milagres serem finalmente tornados públicos. Quem viver verá!

A meu juízo, Maria Meireles Trindade, personagem da história e não o mito, foi mais uma vitima da barbárie que marcou a Revolução Federalista de 1893-1895.

 

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