Um galho qualquer enterrado num pote. Foi um menino do prédio que me chamara para ver sua árvore plantada. Ele juntou na calçada um pedaço de árvore esquecido pela limpeza urbana, resto de uma poda. O galho já perdera as folhas, era apenas como um esqueleto de múmia de árvore. Um braço que já perdera todo o seu verde, toda sua seiva, todo sonho de buscar as nuvens.
Pensei, mas não disse, “menino, um galho enterrado não tem futuro de árvore! Pede ao pai um dinheirinho e compra uma árvore ali na Floricultura Folhas e Flores”. Ele o regou por dias, três vezes em cada, até secar completamente cheio de fungos nas extremidades. Depois, elaborou explicações: a árvore perecera por falta de água. Então, me lembrei do tempo em que plantávamos mandioca em galho. Os galhos, ramas, guardam-se durante o inverno. Na primavera, são enterrados. Quase secos. Nascem as raízes e os brotos.
Manoel de Barros tem um poema-história, “O menino que carregava água na peneira”. A mãe o desencoraja, a princípio. “A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água. O mesmo que criar peixes no bolso”. Com o tempo, a mãe descobre o menino poeta. Carregar água na peneira pode não ser um despropósito. A mãe repara o menino com ternura e lhe diz: “Meu filho, você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda”.
Ninguém consegue viver sem meninos e meninas fazendo peraltagens por dentro. Jesus - de quem tudo o que sabemos da infância é “crescia em sabedoria, estatura e graça” – põe a chave de entrada ao Reino dos Céus no coração infantil. Não me parece adequada a interpretação por ingenuidade ou inocência. Os meninos do Reino são benditos por exercitar esperanças. Se o galho não brotou, não foi incapacidade dele; é culpa das regas poucas.
Nos tempos de Cristo, já havia velhinhas rezando pela chegada da paz, ainda não veio. Contavam com o governo, vendeu-se aos romanos. Acreditavam na justiça, e assistiram a um julgamento sem defesa. Elas amavam, e recebiam apenas um copo de água. Tiveram filhos, viram ruir seus dias mendigando no templo. As velhinhas e velhinhos ali na praça já velaram amigos mortos por males incuráveis e sempre acendem velas nas igrejas e cemitérios. Eu aqui, nesta janela, ainda tenho alegrias quando me coça a mão esquerda e me levanto sempre com o pé direito.
Às dez horas da manhã, o menino do prédio, entre verdes plátanos, passeia na praça com sua bicicleta. E ao redor da praça, em escritórios e lojas, em consultórios e apartamentos, os meninos crescidos, acendem as luzes de Natal, e vão gastando a vida regando galhos secos.