O aluno da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade de Passo Fundo (FAC-UPF) Júlio César de Ávila, 37 anos, que perdeu a visão por volta dos 11 anos, realizou um dos seus grandes sonhos nesta quarta-feira (14): formou-se no curso de Música Licenciatura da UPF. A cerimônia ocorreu no Centro de Eventos da Instituição. Ávila teve um bom desempenho acadêmico e concluiu o curso nos quatro anos regulares. O aluno é motivo de orgulho para os professores que acompanharam a sua trajetória e é um exemplo de superação para a sociedade.
Ávila parou de estudar na quinta série do ensino fundamental, após um deslocamento de retina que provocou a perda da visão. Anos mais tarde, após aprender o método braille, deu sequência a seus estudos, concluindo o ensino fundamental e o ensino médio. A paixão pela música iniciou ainda na infância. “Gosto de música desde criança. Meu irmão toca violão e sempre tive amigos e conhecidos que tocavam. Comecei a fazer aulas em Tapera, cidade onde resido até hoje, com cerca de 15 anos de idade”, revelou o formando.
Com 25 anos, Ávila começou a participar do projeto de extensão Musicografia Braille, ligado à Vice-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da UPF, no qual permaneceu durante quatro anos. O projeto, criado em 2001, ensina a ler, escrever, transcrever e interpretar uma partitura musical por meio do sistema braille. “Aprendi a escrita musical em braille, especificamente para o violão, que era o que eu sabia e gostava. Já sabia o braille, mas não tinha conhecimento de como escrever notas musicais, símbolos, como fazer os acordes e ler as partituras. Tudo isso exigiu esforço e muita dedicação”, relembrou Ávila.
O Musicografia Braille foi uma forma de incentivo para o aluno ingressar no curso de Música. O coordenador da atividade, Neri Ribeiro, acompanhou toda a trajetória. “Quando o Júlio começou com as aulas no projeto, ele nem pensava em cursar uma faculdade de música, então as coisas foram fluindo e acontecendo. O Júlio tem um conjunto de requisitos que qualquer ser humano deveria ter para se dar bem na vida: determinação, superação, inteligência, caráter, humildade, honestidade e simplicidade”, declarou o coordenador.
O formando ingressou no curso de Música da UPF em 2010. As dificuldades para uma pessoa cega estudar música são relacionadas à partitura braille, que é um tanto complexa. “A licenciatura tem muita teoria, partes práticas de canto e coral. Eu gravava as aulas e digitava em casa. Fui vencendo cada barreira, foi bastante desafiador. Tive que estudar mais do que os meus colegas, me dedicar mais, usar mais a memória. Chegou um tempo que a musicografia braille ficou insuficiente para alguns tópicos do conteúdo”, salientou o músico.
O coordenador do Musicografia Braille foi responsável pela transcrição de partituras para o braille para o músico durante a faculdade. “Eu, como professor e amigo do Júlio, estou muito orgulhoso de fazer parte desta conquista na vida dele, pois ele é aquele tipo de aluno que só dá alegria e orgulho para o professor”, destacou Ribeiro.
O acadêmico superou as dificuldades, conquistando o respeito e a admiração dos professores e colegas. De acordo com o coordenador do curso de Música, Alexandre Saggiorato, o aluno teve um bom desempenho durante os quatro anos de curso. “Desde o primeiro semestre, nós, professores do Curso de Música, já notamos muito interesse e dedicação por parte dele. Júlio nunca demonstrou ser limitado ou estar desfavorecido perante os colegas, muito pelo contrário, demonstrou superação e força de vontade ao longo dos quatro anos. É inteligente e muito talentoso. Já atua na área e, com certeza, vai, agora formado, expandir ainda mais seu campo de trabalho”, salientou Saggiorato.
A formação acadêmica de Ávila não termina com a licenciatura em Música. Ainda neste ano, o músico iniciará um novo desafio. “Em fevereiro, começo minha segunda faculdade. Farei Bacharel em canto. Se você para no problema, você não evolui. Que a deficiência não seja a barreira para buscar os sonhos”, finalizou o músico.