São poucos aqueles que ainda se lembram das “nuvens” de insetos que empestavam os para-brisas dos automóveis que cruzavam as rodovias das regiões do Planalto e Missões do Rio Grande do Sul, nos anos 1970. Ou que, no meio rural, não poupavam nem mesmo as vidraças das casas situadas nas proximidades de lavouras. Eram os pulgões ou afídeos, cujo grupo de insetos, representado por espécies exóticas, sem inimigos naturais no nosso meio, acompanhando a expansão das lavouras de trigo, grassavam livremente, como de resto em todo o Cone Sul da América do Sul, a tal ponto de se tornarem a principal espécie praga para o cultivo desse cereal no Brasil.
Os pulgões são insetos pragas importantes em agricultura, quer seja tanto pelos danos diretos que causam com a sucção da seiva das plantas quanto pela transmissão de fitopatógenos, especialmente o vírus do nanismo amarelo (com destaque para Barley Yellow Dwarf Virus-BYDV e Cereal Yellow Dwarf Virus-CYDV). A situação era insustentável para a triticultura gaúcha nos anos 1970. Os prejuízos causados pelos pulgões no trigo eram vultosos. De duas até quatro aplicações de inseticidas eram realizadas nas lavouras, com custos e danos ambientais elevados, e sem êxitos aparentes.
A situação começou a mudar em 1977, quando o Dr. Walter F. Kluger, que era diretor de um Projeto da FAO, então executado em parceria com a Embrapa em Passo Fundo, esteve no Chile participando de uma reunião sobre “Controle Integrado de Pragas” e de lá trouxe como sugestão à Chefia do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, que convidasse o Dr. Roberto van den Bosch (1922-1978), que era o chefe do Departamento de Controle Biológico da Universidade da Califórnia, em Berkeley/USA, para vir a Passo Fundo e avaliar a situação do problema causado pelos pulgões em trigo no Brasil. A sugestão, felizmente, foi acatada pelo Chefe-Geral da época, Dr. Ottoni de Sousa Rosa. A visita do Dr. R. van den Bosch foi realizada e, na ocasião, foi acertada a contratação do consultor Andrew Paul Gutierrez, pesquisador da Universidade da Califórnia, que veio a Passo Fundo em dezembro de 1977, dando inicio à estruturação de um programa integrado de controle de pulgões em trigo; que começaria a ser posto em prática a partir de 1978. O problema era claro: os pulgões, sendo pragas exóticas (oriundas da Europa e da Ásia), não possuíam inimigos naturais locais (pelo menos em população suficiente para fazer frente ao avanço dessa praga), e proliferavam livremente no nosso meio.
E assim foi que, em julho de 1978, começou, efetivamente, um dos mais notável e bem-sucedido exemplo de controle biológico de pragas na agricultura mundial: o controle biológico dos pulgões do trigo no Brasil. O modelo proposto foi o clássico: introdução, criação massal e liberação de inimigos naturais no ambiente. Entre o s inimigos naturais dos pulgões, destacam-se microimenópteros parasitos (parasitoides), popularmente chamados de vespinhas, que ovipositam dentro do corpo dos pulgões, do ovo eclode a larva, que se alimenta do conteúdo interno do pulgão, onde também pupa, levando o hospedeiro à morte em cerca de uma semana; além de alguns insetos predadores (joaninhas, por exemplo). No caso brasileiro, foi priorizado o uso de parasitoides. Coletas desses parasitoides foram realizadas na Europa e no Oriente Médio, em julho de 1978, pelo coordenador do projeto L.A.B. Salles e pelo consultor A.P. Guttierrez. A maior parte das coletas e remessas para o Brasil foi realizada a partir de laboratórios do Departamento de Agricultura dos EUA, um com sede na França e outro na Itália. Adicionalmente, também a partir do Chile, via o insetário da Estação Experimental La Cruz/INIA.
A primeira introdução de parasitoides de pulgões no Brasil deu-se em 29 de agosto de 1978, pelo Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre/RS. A partir desse momento, em Passo Fundo, começaria um memorável trabalho de pesquisa científica básica aplicada. (...continua)