Um sujeito recatado tido como tímido soltou a voz após alguns drinks de comemoração ao final de ano, em seu ambiente de trabalho. Estupefatos com a loquacidade seu colega disse que havia dentro dele outro homem. Após algumas horas, recomposto, ficou a pensar sobre o significado da observação do colega. Então, solicitou aos amigos que escrevessem em 2 palavras, da forma mais sincera possível, que imagem captavam de sua pessoa. As respostas denunciaram um homem de muitas caras, todas diferentes de sua autoimagem. Por que razão se achava sereno quando achavam o contrário, por exemplo. Teria máscaras ? Quem era ele, na verdade ? Zorro é Don Diego, ou o inverso? Quem esconde quem? Quando vamos aos bailes de carnaval fantasiados de prostitutas queremos nos esconder ou revelar?
Estava pensando nisso ao lembrar de Big Boy, ou Newton Alvarenga Duarte, o famoso DJ da Rádio Mundial (hello crazy people). Newton estudava filosofia e dava aulas no Colégio Aplicação da UFRJ. Ganhou o apelido de Big-Boy de um colega porque sua voz era muito semelhante à voz do esfuziante DJ Big-Boy. Ao final do curso revelou sua identidade: Newton era Big-Boy, Big-Boy era Newton. Big-Boy tinha 20 mil discos em sua coleção e era muito impactante; Newton era quieto e recatado. Um explosão, outro contensão. Um era o outro, o outro era um.
Estava pensando nisso ao lembrar do Professor Aloprado, criação de Jerry Lewis (1963) em que o atrapalhado professor Julius Kelp testa uma poção mágica e se transforma no sedutor Buddy Love. Um nerd e tímido; outro bon-vivant e expansivo. É bem provável que nosso inconsciente alimente a ideia de termos uma identidade secreta tal qual nossos super-heróis, tal qual o médico David Banner que se transforma no poderoso Hulk ao ser ofendido ou ultrajado. É bem provável que a vida imite a arte, tal qual a arte imite a vida. Nem sabemos bem o que somos, ninguém percebe bem o que somos.
Ao contemplar nossa aldeia, é fácil perceber o grande teatro, a representação de personagens, bem diferentes do que somos na essência. Talvez por timidez, talvez por autodefesa e talvez, ainda, por absoluto auto-desconhecimento. Daí, passamos a ser percebidos pelo não-nós, pelo caricato, pela máscara. Ou ainda, a conclusão simples de que somos o que fazemos e não aquilo que somente pensamos ser.