Houve um filme chamado Blue em que a chamada eram os olhos azuis de Terence Stamp, ator americano, bon vivant, vida louca e que namorou Julie Christie e Brigite Bardot. Dividiu apartamento em Londres com Michael Caine logo após a segunda guerra e pegaram todas as bonitas mulheres da época. Nesta quinta tive que escalonar cirurgias e aproveitei tempo livre para caminhar pela Avenida Brasil em direção ao Boqueirão na metade da tarde. Avistei o azul do céu, igual ao azul das tardes de verão da Cruz Alta e de Roberto Carlos cantando Quando, em 1968. O Rei teria ignorado Tim Maia e desqualificou Paulo Cesar Araújo, autor de uma biografia de Roberto não autorizada. Paulo Cesar também publicou Eu Não Sou Cachorro Não, leitura obrigatória para quem gosta de música brasileira e tem mais de cinquenta anos. Nele descreve os bastidores da música denominada brega que sustentavam a vendagem dos músicos da zelite. O Rei, certo ou não, brigou com o escritor; não devia, Paulo César é um historiador. O livro é legal, bom de ler, não gostei da atitude de Roberto Carlos mas, a gente tem que gostar do cantor-compositor e o direcionamento de sua vida pessoal contém seus motivos. A gente gosta de Pelé pela sua arte e não pelos seus discursos políticos.
Agora, entrando na avenida, nesta quinta, tarde que repassei meus horários da Emergência do São Vicente, percebi que estou comprando minha vida livre novamente, ao sol, ao azul. Quando a gente vai ficando velho a gente vende a disponibilidade, não temos mais todo o tempo do mundo, é preciso escolher os melhores programas, é preciso conhecer os atalhos. Ao aceitar um compromisso qualquer, peso o quanto tira de minha disponibilidade à vida, é preciso cada vez mais trabalhar em atividades que dão tesão, alegria e qualidade.
O azul do céu é impagável, não o enxergo trancado entre as paredes da sala de emergência. Só o percebo quando ganho a rua e recebo o sol como presente. Ao contemplar o céu constatei quanto estava com saudade do azul e ele estava ali, de graça, disponível, quase todo o tempo. Lembra liberdade e paz, lembra desapego e quase transforma a gente em Ícaro e suas asas para voar tal qual os pássaros. Ah, minha infância, aquela fase que se diluiu entre as paredes. Por horas fiquei criança novamente, o Rei surgiu assim, por mágica e a vida se tornou exuberante com os matizes da simplicidade. O inebriante azul, as músicas do Rei, azul da cor do mar de Tim Maia, azul do Lago de Ypacaraí, azul dos filmes, dos olhos dos atores e atrizes.
Se pudesse, gostaria de agradecer a Djavan por abordar magicamente a palavra azul ao descrever os olhos de sua amada, verso que é bom a gente guardar no bolso para alguma sacada de emergência: eu não sei se vem de Deus / o céu ficar azul / ou virá dos olhos teus...