Em 1973, aos 16 anos, estava extasiado pela descoberta de Raul, Secos e Molhados e Elton John. Há até um livro que emprestei a Daniel Soares em que o autor descreve a importância desse ano para a MPB. Além disso, meu amigo Nilton Basso Oberto, cruzaltense, havia ingressado em Agronomia na Federal de Santa Maria. Ele contava suas aventuras, descrevia o quarto na Casa dos Estudantes – 2 beliches, banheiro, cozinha em continuidade com o restante, sem paredes, um varal que atravessava o que chamava de área de serviço, espaço para os demais 3 estudantes que coabitavam em harmonia. Sua rotina iniciava com o lanche da manhã - 2 compravam leite e 2, o pão – ônibus até Camobi, aulas e almoço no RU, mais aulas, retorno, banho e lanche leite-pão, sem mistura. Tinha 2 calças Lee e outras meia dúzia de peças. Calculei que ele gastava R 600 ao mês.
Dizem que a gente tem que avaliar o que pretende fazer respondendo a si mesmo as perguntas: posso, sou capaz, mereço ? Ele podia; era capaz de enfrentar os sofrimentos e merecia a chance de, nos infortúnios, conhecer o milagre da superação. Projetei que poderia passar as mesmas pobrezas mas, poderia gastar a metade do que ele gastava, ou seja, poderia superá-lo.
Jorge, o universitário, gramou igualmente para vencer os caminhos tortuosos da vida de estudante. No primeiro ano escrevia poesias sob encomenda para os que iniciavam uma paquera ou namoro, numa época, é claro, em que as meninas ficavam deslumbradas com essas coisas. Elas ouviam e entravam em alfa, ao contrário de hoje em que a maioria entra em analfa. Cobrava 5 ou 10 pilas, em nome da sobrevivência. Dava uma ou outra aula particular. O segundo ano deu a possibilidade de tocar bumbo na Banda do Conceição em troca da compra dos livros letivos. No terceiro começou a vender livros de saúde para uma famosa editora da capital. No quarto, foi garçom e tocou numa banda de carnaval em Blumenau. Jorge, o universitário não tinha dívidas financeiras porque não tinha dinheiro para contraí-las. Certa vez, sobrou-lhe a quantia que permitiu aos 22 anos, realizar seu sonho de consumo: comprar uma edição da Zero Hora e tomar um cafezinho na Lancheria do Tortelli. O outro sonho que tinha, não pode ser contemplado pela absoluta falta de erário: comprar um saquinho das bisnaguinhas Seven Boys. Ficou devendo favores a muitos, incluindo o grande Nevi Gabriel, amigo de seu pai, a quem pede desculpas mesmo que tardiamente.
Jorge universitário queria abraçar Nilton Oberto e dizer-lhe que serviu de inspiração e ajudou a responder: sim ele podia vencer e o fez; sim, ele era capaz da empreitada; sim, ele merecia trilhar pelas longas estradas da vida, estradas pelas quais certamente seus pais haviam passado. Dessas estradas aprendeu a dar valor às lutas de cada um e a dar o verniz que uma existência plena tem que ter. É a universidade da vida, ao alcance de qualquer um.